O MacGuffin: maio 2013

segunda-feira, maio 20, 2013

Sobre a (co)adopção

É tonto e incoerente o argumento «antes ser adoptado por um casal homossexual do que ficar no orfanato», como se os casais heterossexuais se recusassem, agora, a adoptar (e não continuassem, tragicamente, a ter de esperar anos a fio por esse longo processo de aferição e autorização, a que teriam de se sujeitar os casais homossexuais caso tivessem, por lei, a mesma liberdade de adopção, coisa que a lei agora aprovada não lhes confere).

É fraquinho e pateta o argumento «antes criado num ambiente harmonioso, do que num ambiente de conflito conjugal, violência familiar ou instabilidade», como se esta conjuntura fosse exclusiva de casais heterossexuais, e o outro cenário, tendencialmente etéreo, um espelho incontroverso e inatacável do modus vivendi gay.

É aceitável, e não sinal de homofobia ou obscurantismo, que se chame à colação o agora ridicularizado argumento do «superior interesse da criança.» É importante que estas coisas se discutam sem que se diabolize, inferiorize ou pura e simplesmente injurie quem está contra ou quem tem reservas sobre esta matéria. Estará sempre a prestar um péssimo serviço à causa da adopção por casais homossexuais, quem use do tipo de intolerância de que acusa quem está contra. E tem-se visto muito, por aí.

Cabe provar, a quem está contra, até que ponto, e de que forma, uma criança criada por um casal homossexual é prejudicada. Que tipo de problemas de ordem cognitiva, psicológica, afectiva e socializante podem surgir, ao ponto de pôr em causa o «superior interesse da criança». Não sei se haverá. Provavelmente sim, provavelmente não. Há argumentos válidos, do lado contra. Se são, ou não, verificáveis, será uma discussão que importa levar a cabo.

Dito isto, acho que ninguém porá em causa isto: at the end of the day, o «superior interesse da criança» estará nos afectos e no laço humano. Onde houver amor incondicional, para além da vida (e qualquer pai ou mãe sabe do que estou a falar), estará assegurado o essencial.

A lei agora aprovada, pretende que o essencial – o laço, o amor incondicional - perdure caso, por exemplo, um dos membros do casal morra. Parece-me justo. Parece-me humano. O que, por estes dias, já é muito bom.

segunda-feira, maio 13, 2013

Com raiva e com maldade ou pura e simplesmente por inconsciência

Vasco Pulido Valente, Público 12/05/2013

Uma nova era 
"Nasci numa família comunista e cheguei a adulto durante a guerra das colónias, o que naturalmente não me inclinou para o nacionalismo ou sequer para qualquer espécie de patriotismo ardente. Mas de qualquer maneira, quando o sr. Schäuble fala de Portugal como falaria de um protectorado longínquo e recalcitrante, não consigo escapar a um estado de fúria e de frustração que julguei que nunca conscientemente teria. A Alemanha e a troika, muito para lá da “austeridade”, estão a inspirar (talvez sem perceber) sentimentos de um radicalismo que tarde ou cedo mudarão um país, na aparência calmo e resignado a um destino de miséria. A humilhação que se acumula já fez desaparecer a mais leve ideia de responsabilidade pela catástrofe em que nos metemos (ou em que nos meteram). Ficou só o ódio. E nem sequer um ódio cerimonioso e disfarçado. A vida pública começa a tomar um “tom” muito semelhante às piores fases do PREC. Comentadores da televisão, que eram pessoas em geral pacatas, passaram de repente a oradores de comício, que propõem, ou aceitam, mesmo o indizível para se verem livres do governo e da intervenção estrangeira. Nos debates, cada partido (ou representante de um partido) estoira de indignação perante as “verdades”, frequentemente razoáveis, da outra parte. Os jornais não hesitam em distorcer ou inventar os factos e acabaram num coro de queixas quase completamente inútil. As sessões da Assembleia da República parecem as sessões da última câmara monárquica na sua agonia. Não se sabe quem manda no governo ou se o governo realmente manda. E o dr. Cavaco arranjou para si um “exílio interior”, que o protege das baixas realidades do mundo. O ministro das Finanças altera impostos, taxas, contribuições (parece que até hoje 65 vezes), para se conformar aos “conselhos” da troika, que são os da Alemanha. O próprio Ricardo Salgado (do Banco Espírito Santo) declara com impecável clareza: “Não há nada absolutamente garantido”; e de facto não há — nem o presente nem o futuro —, a não ser que Portugal caiu e, a seguir, foi empurrado para um buraco sem fundo. E, como sempre, o desespero inspira e multiplica a mentira: a mentira sistemática ou a mentira ocasional. Toda a gente mente, com raiva e com maldade ou pura e simplesmente por inconsciência. Portugal entrou numa nova era de pobreza, de conflito e de isolamento: e essa era promete durar."
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