O MacGuffin: novembro 2012

sexta-feira, novembro 30, 2012

Como é (ou deveria ser) óbvio

Vasco Pulido Valente, Público 30/11/2012:

O n.º 2 
"Quarta-feira, numa entrevista à TVI, Pedro Passos Coelho disse que o ministro das Finanças era o n.º 2 do Governo, o que naturalmente equivale a dizer que Paulo Portas é o n.º 3. Pode ser que esta observação de Passos Coelho não passe de um lapso ou de uma inadvertência. Mas como ele não se corrigiu logo com toda a clareza, custa a engolir que ele não acredite na declaração que fez (de resto, com a maior espontaneidade) ou mesmo que, no fundo, ela não seja, como parece, uma declaração política para uso interno da maioria. De qualquer maneira, o primeiro-ministro não pode reduzir o presidente do CDS a uma personagem secundária, exaltando de caminho um técnico de contas escolhido e promovido por ele próprio. A JSD há muito tempo que já lá vai. A posição em que está hoje não lhe permite certos devaneios. 
O Governo assenta numa coligação do PSD e do CDS. Foi no PSD e no CDS que os portugueses votaram. Não foi no prof. Vítor Gaspar, que evidentemente desconheciam. Paulo Portas representa um eleitorado. O prof. Vítor Gaspar, por admirável que o dr. Passos Coelho o ache, em rigor não representa ninguém; e nada impede que o ignorem ou despeçam, sem prejuízo formal para a continuidade e até para a estabilidade da situação vigente. Pelo contrário, a coligação depende dia a dia da vontade de Paulo Portas. Sem ele, não haveria maneira de evitar eleições. E é por isso que o cidadão comum presume (como agora se constata, muito mal) que a política do Governo, principalmente a política financeira, resulta de um acordo entre o PSD e o CDS, em que o PSD pesa por força mais, mas que também reflecte a influência do CDS. O que nenhum cidadão quer ou imagina é que o prof. Gaspar e um grupo anónimo de peritos determinem o seu destino, à revelia dos seus representantes. 
As regras da democracia, embora frequentemente incómodas, têm de se aplicar em qualquer circunstância. Paulo Portas, como principal dirigente de um dos dois partidos da coligação, devia manifestamente ser vice-primeiro-ministro, um cargo que não deixaria dúvidas sobre a sua importância e participação nas decisões fundamentais do Governo. A desenvoltura com que Passos Coelho e Vítor Gaspar o tratam e tratam o CDS levará tarde ou cedo a um rompimento acrimonioso. Na última aliança com o PSD (de Pedro Santana Lopes) Paulo Portas resolveu embarcar, em nome de uma falsa solidariedade, numa aventura sem sentido. Esperemos que, desta vez, não repita um erro tão óbvio. Se o prof. Vítor Gaspar é de facto o n.º 2 da coligação, ele, ou Passos Coelho por ele, que arranjem os votos para a sustentar. Portas não tem de aceitar responsabilidades que não são suas."

quarta-feira, novembro 28, 2012

É mau ou bom sinal?

Miguel Esteves Cardoso, Público 28/11/2012

É mau sinal 
"É mau sinal quando o Presidente da República diz que os "portugueses esqueceram o mar, a agricultura e a indústria". Por essa ordem: primeiro o mar (onde não se semeia, basta apanhar o peixe), depois a agricultura e, finalmente, porque precisa de dinheiro que não há, a indústria. 
O PÚBLICO, através de Maria Lopes, salientou, do que disse Cavaco no dia 21: "A nossa geografia, os nossos recursos naturais e o mar são, indubitavelmente, uma dessas opções". Significado: já não há dinheiro. Não se fiem na conversa dos serviços e da tecnologia. Agora e na nossa hora do desespero valem a sardinha, a batata e, caso ainda haja alguns patacos, a exportação dalguns tecidos e sapatos. 
Resumo: estamos resumidos ao que Deus nos deu. Sol, oliveiras, carapaus e vinhas. É obsceno - mas de uma monumental honestidade - culpar os portugueses de se terem esquecido das pescas, da agricultura e das fábricas que tanto forneciam o mercado interno como exportavam. 
Foi Cavaco, embalado pelas miragens europeias, que levou a esse esquecimento. Foram os transigentes nas pescas e na agricultura, a troco de euros, que pagaram aos pescadores e aos lavradores para não pescarem nem lavrarem. Quando o economista doutorado em York nos incita a virarmo-nos para os nossos recursos naturais, é razão para nos preocuparmos. 
Portugal está a ser devolvido à geografia, ao clima e ao povo. Estamos a ser devolvidos pré-historicamente à nossa sorte. Perdida. Perdemos o nosso futuro."

segunda-feira, novembro 26, 2012

Da soberania

Vasco Pulido Valente, Público 25/11/2012

A pérfida Albion 
"Eduardo Lourenço é com certeza em Portugal inteiro o intelectual mais francês. Não admira que perante a desagregação da "Europa" sofra hoje com a relativa imunidade da Inglaterra, coisa que não ocorreria à nossa atávica e resignada miséria. Mas que resolva ressuscitar o mito da "pérfida Albion", embora na sua prosa majestática, só se explica pela manifesta decadência da sua pátria de eleição. Eduardo Lourenço descobriu agora que o fracasso da União - que se tornou um "monstro", um "Frankenstein" em que muitos países não se reconhecem - foi o resultado de um "desígnio no seu género messiânico" da Inglaterra; e que, enquanto ela tiver "força e poder financeiro", "nada que se pareça" com o "sonho" de Jean Monet verá a luz do dia. Era este também, segundo parece, o "voto" da sra. Thatcher. 
Thatcher ou não, Eduardo Lourenço fala da Inglaterra que realmente existe como se ela continuasse a ser a Inglaterra de Palmerston e da rainha Vitória e o Império Britânico (uma criação tardia de Disraeli) continuasse a dominar o mundo como o Império Romano que ela, em teoria, aspirava a imitar. Pior ainda, para Eduardo Lourenço, a derrota de Waterloo acabou com a rivalidade da França, a derrota de Hitler (e de Guilherme II, que ele por boas razões não lembra) acabou com a rivalidade da Alemanha, e a implosão da URSS com a da Rússia, e a Inglaterra ficou sozinha em campo, livre de exercer a sua maléfica influência. Uma influência que se exerceu à partida através da BBC e depois do cinema americano e de uma historiografia moderna, que é "essencialmente de matriz anglo-saxónica" e "expressão da sua vontade de poder". 
Se por acaso compreendi alguma coisa da prédica confusa e, em parte, errada e arbitrária de Eduardo Lourenço, ele detesta a distância "fria" cada vez maior que a Inglaterra estabelece (e, de resto, sempre estabeleceu) entre si própria e a "Europa". Mas não há qualquer dúvida que ele não percebe a origem e a necessidade dessa distância. Não se trata, como ele julga, de uma nostalgia do Império ou sequer do exercício de uma hegemonia actual. Do que se trata, mais modestamente, é da relutância em abdicar da soberania inglesa a favor de uma burocracia não-eleita e de um bando de políticos, que nada representam. A soberania absoluta do Parlamento é o princípio constitutivo da nação (um ponto que nenhum francês será jamais capaz de meter na cabeça) e o menor abandono, a menor cedência põe em risco a sociedade e o Estado. A "Europa", em que a democracia nasceu ontem, não se importa, por exemplo, de abandonar a sua moeda a estranhos. A Inglaterra não consentiu, ou consentiria, essa vergonhosa demissão de uma autoridade crucial sobre o seu destino. E, se outros consentiram, que paguem em silêncio o "Frankenstein", que tão pressurosamente criaram."

segunda-feira, novembro 19, 2012

Um sindicalista da velha escola, dois desempregados, menos de meia dúzia de estudantes, um «artista plástico» e um italiano

Vasco Pulido Valente, no Público de 18/11/2012

Quarta-feira em São Bento 
"Algumas pessoas, imagino que poucas, ficaram preocupadas com as cenas de violência na manifestação de quarta-feira em São Bento. Provavelmente, a transmissão "em directo" do episódio impressionou os portugueses mais pacatos (que são a maioria) e as comparações com a Grécia, inteiramente absurdas, fizeram prever a outros um futuro inquietante. Sem razão. A gente que a polícia prendeu em Lisboa (um sindicalista da velha escola, dois desempregados, menos de meia dúzia de estudantes, um "artista plástico" e um italiano) não justifica por enquanto qualquer sobressalto. As pedras, as garrafas, mesmo os cocktails Molotov não têm a seriedade que lhes dão e, no fundo, não passam de um sinal de isolamento e fraqueza. Os governos não caem e as políticas não mudam porque centena e meia de indivíduos (se tanto) resolvem agredir uma barreira da PSP e acabam dispersos com uma única carga, sem um único tiro. 
Esta espécie de violência costuma aparecer quando se torna claro que não há maneira de enfraquecer a autoridade do Estado ou de provocar organizações de massa (os sindicatos, por exemplo, ou os partidos da franja radical) a uma política mais radical contra o poder estabelecido. Pequenos grupos de indivíduos (sublinho: indivíduos) acabam então um pouco ao acaso por decidir levar as coisas mais longe, pensando que "pelo acto", como antes se dizia, arrastarão o grosso do movimento de protesto (neste caso, do movimento contra a austeridade) para as suas tácticas. Mas sucede que tanto os sindicatos como os partidos, instalados na legalidade e no regime, invariavelmente não os seguem, porque precisam sobretudo de proteger a sua posição e, como é natural, detestam aventuras. 
Basta ouvir Arménio Carlos condenar a arruaça de São Bento e lamentar que ela acabasse por distrair a opinião da "greve geral" para perceber que estamos aqui noutro universo. Os "profissionais da violência", como lhes chama erradamente o ministro Miguel Macedo, não pertencem a uma organização com uma ideologia (para já não falar de uma filosofia), um programa e uma estratégia. Saíram, de resto, indiferentemente de claques de futebol, das discotecas dos subúrbios, da estiva, daqui e dacolá. Não representam os portugueses; nem sequer uma ínfima parte deles. Representam só a irritação e o desespero que anda no ar. E só por isso se devem levar a sério. Até ao momento em que se liguem a um partido ou a um sindicato ou, pior ainda, se consigam organizar eles próprios, uma hipótese longínqua."

Ratos e homens

Alberto Gonçalves, no Diário de Notícias de 18/11/2012

Os mártires da banda larga 
A propósito dos distúrbios de quarta-feira em São Bento, um dilema: que partido tomar nos confrontos entre a polícia e populares com pedras ou populares que se juntam a populares com pedras? É fácil: numa ditadura, branda que seja, deve-se defender os segundos; numa democracia, fraquinha que esteja, convém preferir a primeira. Embora não tenha nenhum fascínio pelas forças da ordem, lido pior com as forças da desordem, ou no caso os bandos de delinquentes que tentam contrariar pelo caos a escolha de milhões nas urnas. Numa sociedade apesar de tudo livre, cada indivíduo devotado à destruição de propriedade pública ou privada é uma homenagem à prepotência e, para usar um conceito recorrente por cá, um autêntico fascista. Se os fascistas que empunham calhaus (e os patetas que se lhes associam) querem impor arbitrariamente a vontade deles sobre a nossa, é natural considerarmos que uma derrota deles, ou uma bastonada na cabecinha, é uma vitória nossa. 
É verdade, admito, que há quem hesite em chamar democrático ao regime vigente e livre à sociedade actual. Mas também não é difícil dissipar as dúvidas. Se os manifestantes detidos desaparecem sem deixar rasto e provavelmente para sempre, a coisa tende para o despotismo. Se, passadas três horas, os manifestantes reaparecem nas respectivas páginas da ditas redes sociais a exibir mazelas ligeiras e a choramingar o zelo securitário, a coisa tende obviamente para o lado bom. E cómico. 
Aliás o Público, sem se rir, publicou uma reportagem hilariante acerca do assunto, ou da falta dele, sob o não menos hilariante título "Manifestantes abrigaram-se no Facebook para mostrar as feridas". A reportagem é uma sucessão de anedotas explícitas e implícitas, de que custa destacar uma. Talvez a distância que separa a repressão de que os agredidos se queixam do conforto do lar (com banda larga) e da liberdade de expressão de que beneficiam. Talvez a velocidade com que sujeitos fascinados pela violência passam a esconjurá-la quando esta se volta contra si. Talvez os inúmeros desabafos líricos despejados na internet e que o mencionado diário leva aparentemente a sério (um exemplo: "Não fugimos da justiça, em nome do rapaz em sangue que perguntava insistentemente 'porquê, porquê?'"). Talvez a citação do escritor Mário de Carvalho, que comparou o sucedido nos degraus do Parlamento às "ditaduras da América Latina". 
À semelhança do rapaz em sangue, pergunto: porquê, porquê ficarmo-nos apenas pela referência às tiranias sul-americanas (já agora, quais: a cubana? A venezuelana? A utopia socialista de Jonestown? A argentina que na guerra das Falkland os comunistas apoiaram por oposição ao Reino Unido? Desconfio que será exclusivamente a chilena)? Com jeitinho, acaba-se a comparar a carga policial ao Holocausto ou ao genocídio do Ruanda, cujas vítimas só careciam de uma ligação à "rede" para sofrer tanto quanto os mártires de São Bento, caídos em combate às mãos da PSP. E levantados de imediato junto ao teclado e ao rato mais próximos. Ratos e homens, de facto."

quinta-feira, novembro 01, 2012

Vamos lá a seguir esta boa gente

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