O MacGuffin: junho 2012

sexta-feira, junho 29, 2012

Toda a gente fala como se conhecesse várias soluções

Miguel Esteves Cardoso, Público 29/06/2012

Há soluções ou não?

"No PÚBLICO de ontem li a cuidadosa reportagem de Isabel Arriaga e Cunha. Fiquei com saudades dos tempos, não muito remotos, em que nada sabíamos do que se passava nas instituições da União Europeia.

Vejo que Angela Merkel rejeita - volta a rejeitar - as "soluções fáceis". Porquê? Tornou-se um tique dizer-se que se devem recusar as soluções fáceis. Podem preferir-se as soluções difíceis. Mas rejeitar as fáceis, se são, de facto, soluções, parece - não há outra maneira de dizer isto - estúpido. 

As soluções fáceis, aliás, até são muito difíceis. A solução do problema do alcóolico que está a dar cabo do fígado é simples: deixar de beber álcool. A solução para o problema da obesidade também é fácil: é comer menos e fazer mais exercício.

A Sra. Merkel até é uma protagonista que se exprime com relativa clareza. Mas toda a gente fala como se conhecesse várias soluções para os problemas da zona euro e se pudesse dar ao luxo de escolher entre elas.

E se os problemas não têm solução? Se não tiverem, não interessa se seria fácil ou difícil, caso existisse. E se os problemas fossem uma quantidade gigantesca de problemas? Com soluções não só diferentes como antagónicas? Não pode haver uma solução fácil - nem difícil - para uma tal cabazada de problemas.

Mais à frente, leio que Alemanha, Holanda e Finlândia alegam que "não há soluções fáceis para a crise". Se não há, porquê recusá-las? É preciso ser-se muito tortinho. Já é perversão a mais."

Este pobre país, que nos deu a sardinha e o Sr. Seguro

Vasco Pulido Valente, Público 29/06/2012

O vácuo

"Levantada a pesada histeria do futebol, em que abafámos durante quinze dias, talvez se possa voltar a pensar neste pobre país, que nos deu a sardinha assada e o sr. Seguro. Para lá do défice, que, como toda a gente sabia, não se vai cumprir sem meia dúzia de apertões complementares, fica ainda um sarilho que se julgou temporário, mas continua a crescer, com sintomas cada vez mais graves, e que não parece interessar os curiosos peritos da nossa praça: o Presidente da República. No último domingo, o Presidente da República foi apupado em Guimarães, "capital europeia da cultura" (uma extravagância que sobreviveu ao presente desastre), e em Castro Daire, uma vila remota que não se costuma distinguir nos tumultos da Pátria, e que desta vez também resolveu molhar a sopa.

Em Guimarães, o bom povo (com alguns camaradas do PC à mistura) chamou "gatuno" ao Prof. Cavaco, alegadamente por causa da promulgação do Código de Trabalho: um acto de uma certa, embora pouca, racionalidade. Em Castro Daire, dezenas de pessoas (não deve haver muito mais) queriam protestar contra o encerramento do tribunal e as portagens da auto-estrada (a A24) que liga Viseu a Chaves: um puro disparate constitucional. Do alto da sua enormíssima importância, Cavaco não comentou. Disse meia dúzia de banalidades sobre o "grande sucesso" de Guimarães e voltou, suponho que depressa, para Lisboa. Mas se naquela cabeça existe um resto de bom senso, com certeza que pensou com inquietação na fragilidade dele e do regime.

O que as cenas de Castro Daire e de Guimarães demonstram, para lá de qualquer dúvida, é que o Presidente deixou de ser visto como um árbitro da cena política portuguesa e passou a ser visto como um cúmplice. Quer queira, quer não queira, Cavaco perdeu a autoridade, tradicionalmente associada a Belém. O país percebeu o silêncio culpado sobre Sócrates, que ele julgou necessário para ser reeleito; e percebeu a seguir a razão dos discursos que fizeram e apoiaram a coligação da direita. Principalmente, ninguém lhe desculpou, ou desculpará, a fita inominável sobre a "pensão de reforma" ou, por mais que ele se explique, a água turva do BPN e o Algarve. Da antiga confiança com que o eleitorado inexplicavelmente o favorecia, não sobra nada. Ao primeiro problema sério, o regime e os portugueses descobrirão para seu desgosto e surpresa que Belém é um vácuo."
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