O MacGuffin: maio 2012

domingo, maio 27, 2012

Só desgraças

Vasco Pulido Valente, Público 27-05-2012

Mais desgraças
"Em quarenta anos de jornalismo, nunca me interessei (ou consegui perceber) os bas-fonds da política, fosse qual fosse a natureza deles: financeira, jornalística, partidária ou mesmo pessoal. O que de certa maneira é estranho, porque sempre li (em quantidades vergonhosas) romances policiais, de espionagem e vário lixo do mesmo género. Mas, se me pedirem para explicar o que os nossos serviços secretos fazem e a importância do que eles de facto fazem, fico caladinho e quieto, sem a menor ideia na cabeça. Nunca vi de resto nenhum livro sério sobre teoria política que atribuísse a qualquer espécie de espionagem (ou condicionamento da informação) a vitória de uma política ou de um partido político; e não concebo, por exemplo, como se pode atribuir a existência, de Sócrates, de Passos Coelho ou de Cavaco a manobras de bastidor ou até a um almoço ou outro em restaurantes da moda (no Gigi!, Deus tenha piedade de nós!). 
Para mim, quem ganha ou perde na política, perde ou ganha por causa do estado da economia, pela coerência ideológica e programática e pela espécie de pessoa que revelou ser. Mas percebo a tentação de um ministro - que se julga esperto - de usar os serviços secretos (se merecem o nome) e o jornalismo para os seus fins privados. Basta abrir a televisão para se perceber a extrema promiscuidade entre a gente que em princípio deve informar o público e a gente que em princípio deve garantir que essa informação é exacta e completa. Começa por que se tratam quase todos pelo nome próprio e parecem quase todos grandes compinchas. Daí ao segredinho, à inconfidência e ao comentário entre entendidos vai um pequeno passo.
E daí à pura ameaça vai um passo ainda mais pequeno. O sr. ministro Oliveira nunca se atreveria a ameaçar a dra. Luísa Lopes, redactora de um jornal de referência. Mas não lhe ocorre que, se o Pedro ameaçar a Luísa, está a cometer um crime e, ainda por cima, um crime largamente inútil. Claro que a maioria dos governos não chega, neste capítulo, à obsessão de Sócrates. Infelizmente, há bastantes que chegam perto, com a estúpida complacência de quem joga um jogo permitido, e depois se espantam com as consequências. Se, além disso, são ajudados pelas "secretas", e "secretas" da envergadura das nossas, o caso é grave e precisa de um exame drástico; exercício para que a ERC (de que se espera a urgente abolição) obviamente não serve. Não deve existir um lugar marcado para a irresponsabilidade no Conselho de Ministros."

quinta-feira, maio 24, 2012

Torcemos

Miguel Esteves Cardoso, Público 24/05/2012

Como ela está

"Como está a Maria João? É a pergunta que mais me fazem. Há leitoras que ficam preocupadas ou zangadas quando não falo dela numa destas crónicas. Fale do que falar, estou sempre a falar dela. Faço tudo para falar doutra coisa, por causa dela, para não ser despedido por ser um chato e depois ficar sem dinheiro para tomar conta dela.
Vamos estabelecer um código. Se eu não falar da Maria João é porque ela não está a sofrer, senão de medo. Está bem. Até pode estar a pensar que vai ter sorte. Ri-se, chora e toma tanto conta de mim como eu dela. Faz as coisas que sempre fez só que às vezes, como disse ontem quando, em vez de jantar, lanchou chá, pão alentejano e queijos franceses de leite cru, "faço as coisas como se fosse morrer amanhã".
Isto porque, após duas semanas de pastéis de nata em série, em vez de continuar a emagrecer, desmagreceu dois quilos. Está sete quilos abaixo do peso ideal - é quando começa a sentir que está gorda. É um bom sinal. Infelizmente, quanto mais lhe dizem que está magra de mais, mais alegra. É a técnica dela de ficar magrinha: achar-se gorda. Eu também uso a mesma técnica mas comigo não funciona.
No fim deste mês saberemos se ela tem ou não outros tumores cancerosos. Torcemos para que não tenha. Depois, conforme os resultados, começarão outros tratamentos. É tudo uma questão de paciência, entrega aos especialistas e de uma mistura de sabedoria e de sorte. Seja qual for o nome que nós lhe dermos. Deus? Vocês?"

sábado, maio 19, 2012

Como diria João César Monteiro, eu quero que o Vasco Câmara se...

Escreve Vasco Câmara, no Público, a propósito de Moonrise Kingdom, o último filme de Wes Anderson, em jeito de lamento:

«Mas não parece que algo de substancialmente diferente lhe aconteça [ao cinema de Wes]»

Vamos lá ver se nos entendemos. Eu não quero que, ao cinema de Wes Anderson, aconteça algo de «substancialmente diferente». Quero que continue a ser «beige», nostálgico, naive, repleto de adultos a ruminar depressões e teenagers a apanhar papeis. Quero que rime com bombazine, camisolas de gola alta, copos de leite e torradas. E quero o Bill Murray o mais cool possível no meio dos psicodramas levados à cena pelo senhor Anderson. Pode ser? Óptimo.


Cuckoo's nest

Vasco Pulido Valente, Público 19/05/2012
Os reformadores
"Tirando o primeiro-ministro Ayrault (que não passa por hermafrodito), o primeiro Governo de Hollande merece um prémio pela sua justa e já famosa "paridade", que até hoje muita gente prometeu e ninguém cumpriu. O Governo tem exactamente 17 homens "contra" 17 mulheres, todos bona fide, claro, e todos merecedores da confiança do povo, que em conjunto representam com fidelidade e escrúpulo. Uma ideia assim tem um grande futuro. Um cálculo simples demonstra que em 5 anos de mandato estes 34 zeladores do povo podem com facilidade (e alguma aplicação) produzir 113,3 filhos, não contando os gémeos ou uma intervenção extracurricular de DSK ou, numa hora de abandono, do próprio Presidente. Ninguém nunca dirá que não foi um Governo fecundo.

Mas Hollande e Ayrault não se esquecerem do resto da correcção ideológica e política, que lhes compete. Há um ministro para a "Igualdade dos Territórios e a Habitação"; um ministro para a "Ecologia, o Desenvolvimento Sustentado e a Energia" (escusam de se preocupar); um ministro da "Revivescência Produtiva" (para a França a crescer, como ela e a "Europa" merecem); um ministro para o "Trabalho, o Emprego e o Diálogo Social" (presumivelmente especializado em "diálogo"); um ministro para os "Direitos da Mulher"; um ministro para o "Sucesso Educativo"; um ministro dos "Idosos e dos Dependentes" (de que muita falta sinto em Portugal); um ministro para a "Economia Social e Solidária" (para estabelecer o contraste com a economia social e gananciosa); um ministro da Família"; um ministro "Francês e da Francologia"; e para chegar ao fim de uma lista, praticamente interminável, um ministro, muito misterioso das "PME, da Inovação e da Economia Numérica" (para enterrar para sempre a economia sem números).

Falando a sério, este Governo que, segundo o PS, nos trará a salvação, parece inventado num delírio do "politicamente correcto" ou num comício de ONG no Grão-Pará. Infelizmente, resume a cabeça do Partido Socialista Francês, do nosso PS e também do Bloco, e é um esforço meritório para dar a cada louco a sua mania. Não custa a acreditar que a França, entregue a esta trupe de fantasistas, com meia dúzia de frases coladas ao cérebro (supondo a existência desse órgão em qualquer dos novos senhores da França), nos leve rapidamente para o fundo."

segunda-feira, maio 07, 2012

"A França é hoje um país médio, uma potência de quinta ordem"

Entrevista de Vasco Pulido Valente ao Jornal i (Ana Sá Lopes e Margarida Bon de Sousa):

Vasco Pulido Valente recebe o i no sábado à noite, na sua casa da avenida de Paris, para onde se mudou há pouco tempo. Vive no meio de livros e agora está a aproveitar para cumprir um projecto antigo: passar um ano inteiro a ler. Está de volta dos clássicos da revolução francesa, alguns que só se encontram em bibliotecas, porque “foi aí que tudo começou, o que somos hoje”. Fora as crónicas de jornal, não está a escrever nada. Se voltar a escrever um livro será um ensaio político, mas não sobre Portugal.
"François Hollande deve ser eleito presidente da França. A esquerda conta com uma mudança substancial na gestão europeia. Acredita nessa mudança?
Não. A França é hoje um país médio, uma potência de quinta ordem. Mesmo dentro da Europa, é uma potência média. Não tem força. O que o sr. Hollande se propõe fazer é rejeitado pela economia mais importante da Europa, que não o vai seguir nisso.
Acha que o senhor Hollande entra numa reunião com a sra. Merkel a dizer que vai boicotar o tratado e sai de lá com o rabo entre as pernas?
Essas coisas nunca se passam assim. Vão chegar a um entendimento para o senhor Hollande não perder a face. Mas Hollande não vai conseguir mudar a política europeia. Pode haver umas emendas aqui, outras ali. De resto, algumas já estão a ocorrer. O BCE já está a imprimir mais papel. E está a imprimir mais porque a senhora Merkel deixa. Estão a libertar fundos estruturais mais depressa do que estava previsto e vão fazer mais algumas coisas desse género, com certeza, devagarinho. A França não tem o
poder económico, não tem o poder militar, não tem o poder político. A França não pode forçar a Europa a fazer seja o que for.
Portanto, acha que o que nos espera é acrescentar uma alínea sobre o crescimento ao Tratado e mais nada...
Vão haver pequenas diferenças. Já se estão a notar algumas diferenças. A política do BCE, por exemplo.
Mas porque é que o BCE empresta aos bancos e não empresta aos Estados?
O BCE não empresta aos Estado para não abrir o precedente. É muito simples de perceber.
Acha que o euro se aguenta com umas mudanças aqui e acolá?
Se eu soubesse, enriquecia. Uma crise económica, que é fundamentalmente uma crise de crédito, tem duas maneiras de se resolver. Ou criar inflação ou fazer reformas, ou as duas coisas.
Mas estamos com um problema de desemprego crescente, de recessão…
Estas crises implicam uma mudança nas sociedades. E essas mudanças não são rápidas.
O que nos estão a sugerir é o “vamos empobrecer”.
Já utilizei essa expressão uma ou duas vezes até perceber que isso era usado como uma coisa demagógica. Mas trata-se de facto de gastar menos dinheiro, não só o Estado, mas também as pessoas.
Mas isso leva à implosão da sociedade tal como a conhecemos, o Estado social…
O Estado social não vai acabar! O Estado social está suficientemente enraizado na cultura da maior parte dos países da Europa e não se pode chegar de repente e dizer às pessoas que vai acabar. Não podemos é ter um Estado social que não podemos pagar. Mas haverá um Estado social que nós poderemos pagar. Sei que isso implica uma arrumação diferente do que o Estado gasta, e não só ao nível do Estado social. Para que precisamos nós das Forças Armadas que temos?
Aí os militares falam logo num golpe de Estado…
As Forças Armadas não têm poder para conquistar Cacilhas quanto mais para fazer um golpe de Estado! São muito poucos. Os governos têm tido até agora a ideia de que é obrigação deles trazer os generais contentes. Mas não é!
Isso tem a ver com o rescaldo do 25 de Abril?
E com uma certa megalomania que houve na política externa portuguesa, que iríamos ter um papel em África. E como se vê, não temos nenhum.
Voltando à eleição de François Hollande. Defende que a política europeia não vai mudar muito…
Em França vai piorar. Se ele fizer o que diz que vai fazer, o que esperemos que não faça, como contratar 60 mil novos professores, mais funcionários públicos, diminuir a idade da reforma. Se fizer isso tudo e mais o que isso tudo arrasta, será o completo descalabro.
Vários economistas já questionam a nossa adesão ao euro, apesar da euforia colectiva da altura. Portugal produz para ter uma moeda ao nível do marco alemão?
Os governos – foram dois – que aceitaram entrar no euro, prestaram um péssimo serviço a Portugal. Puseram nas mãos dos portugueses uma moeda forte, com os juros que a Alemanha pagava.
Mas tirando o PCP e o João Ferreira do Amaral, toda a gente dizia que o euro era uma maravilha… Andava tudo alucinado?
Eu não andava.
Mas então porque andavam todos os outros eufóricos?
Se lhes oferecem dinheiro, as pessoas querem dinheiro.
Uma espécie de 50% do Pingo Doce?
Foi os 50% do Pingo Doce feito a uma escala absolutamente gigantesca. Ninguém foi fazer contas nem ver o que aconteceria dali a 10 anos. A maior parte do dinheiro foi usado para fins de consumo ou em bens não transaccionáveis, como auto-estradas e pontes.
Vê no curto prazo a hipótese do fim do euro?
Vejo como possível o fim do euro. Há uma certeza: este euro que existe está assente em muito más bases.
E está assente nesse défice zero que a Europa está a aprovar. Há muitos economistas que dizem que esse défice zero ilegaliza políticas keynesianas…
Uma política keynesiana sistemática, ilegaliza. Mas aquilo não tem aspecto de ser coisa para se cumprir. Tem aspecto de ser uma ameaça da Alemanha aos países que ela está a fazer sair do buraco. É mais uma coisa declarativa que normativa. Angela Merkel fez um espectáculo do tratado que não faria se não fosse isso.
A Europa como ideia bondosa de grande potência política acabou?
Eu sempre fui contra a Europa. Por uma razão muito simples: aquilo é utópico. As sociedades mudam muito devagar e normalmente por razões endógenas. Não se pode vir de fora com um plano. Tipo “agora vamos pegar nesta sociedade e transformá-la”. Veja o problema que os italianos têm, desde a unificação, com o Sul de Itália!
Mas pelo menos desde a fundação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço nunca mais houve guerra na Europa…
Nunca poderia ter havido guerra na Europa! Isso é um argumento para ignorantes! Ia fazer-se guerra na Europa a quem? Com todos os países da Europa ocupados e com duas superpotências! A Alemanha esteve ocupada até há muito pouco tempo. Só poderiam ter feito guerra com a autorização da Rússia e da América. Se não fosse assim, a guerra acabava-se no minuto seguinte.
Sempre teve um discurso eurocéptico. Mas acha que os erros da Europa são só dos dirigentes ou os povos também gostaram de ser enganados?
As pessoas gostaram de várias coisas na Europa. Gostaram de Shengen e da livre circulação. Os países que entraram de novo e que eram mais atrasados gostaram dos fundos de coesão. Os políticos gostaram. Mas o povo nunca foi chamado a pronunciar-se. E quando se pronunciava e eles não gostavam, não ouviam. Foi o que se passou com a Constituição europeia.
Como está a ver o governo de coligação PSD-CDS? O CDS vai continuar a poder apresentar-se como o partido dos pensionistas?
Não têm descido muito nas sondagens. Mas um dos erros deste governo foi não ter feito uma avaliação do passado, implicasse isso discutir o que tinha feito Sócrates ou não, implicasse isso piores relações com o PS ou não. Teria sido essencial uma avaliação política no parlamento. Ninguém explica nada, não há explicação, nem dos partidos nem do Presidente da República. Está tudo calado.
E porque estão calados?
Porque é uma mais-valia a aprovação do PS. Para manter esta ficção de o Partido Socialista, o PSD e o CDS apoiam e estão comprometidos com o memorando da troika.
Apesar de dizer umas coisas, o Seguro ainda não cortou com o governo…
Isso é uma das coisas que Hollande pode mudar. Se houver uma divisão na Europa entre a Alemanha e a França, que eu acho difícil que haja, como disse, pode haver uma ruptura do PS com o PSD. De resto, Seguro já anda a ameaçar.
Se Seguro romper, a vida de Passos Coelho torna-se mais complicada? Até aqui tem sido relativamente simples…
Eles têm maioria. E não é provável que se passem aqui os distúrbios do género que aconteceram na Grécia e que poderá haver em Espanha.
Porquê?
Em primeiro lugar porque não tivemos nenhuma guerra civil. A última guerra civil acabou em 1834. A dos gregos acabou em 1948 e a guerra civil de Espanha em 1939. Em segundo lugar, protestar contra a austeridade é uma coisa muito difícil. É muito difícil encontrar uma questão que resuma todo o problema.
Muitas pessoas criticam António José Seguro. Mas não acha que pode ressuscitar?
Pode ressuscitar, já está a tomar uma atitude mais guerreira.
Acha que se vai aguentar no PS e eventualmente ganhar as próximas eleições?
A única coisa que me parece é que hoje não há ninguém no PS que tenha a menor ambição de ir para o lugar de Seguro.
Mas António Costa escreveu um livro chamado “Caminho Aberto”. A qualquer momento pode mudar de ideias…
Pode, pode. Quando for para não fazer este papel, pode.
Têm-se passado coisas estranhas ali no Palácio de Belém. O Presidente da República está com níveis de impopularidade históricos. O cavaquismo desapareceu?
Acho que as pessoas sempre olharam para o Presidente da República como uma figura protectora. E Cavaco Silva não protegeu ninguém. Mesmo as pessoas mais estúpidas e distraídas perceberam que ele não as avisou a tempo, por causa da reeleição. Ele devia ter falado antes, muito antes, mas pôs os seus interesses à frente das suas obrigações. Assim que se viu são e salvo, foi a correr explicar o que se passava. E as pessoas podem não saber nada de economia, mas toda a gente percebeu que Cavaco Silva esteve muito caladinho até ser reeleito (ou disse uma frase aqui e outra ali). Mas logo que foi reeleito foi a correr dizer o que se passava. E isso não lhe fez bem nenhum. Depois acho que também não lhe fez bem nenhum aquela frase horrenda em que disse que também tinha dificuldades. As pessoas sabem que é mentira. Dizer uma mentira sobre aquele assunto nesta altura não é bom. E por mais que a mistura de Cavaco Silva no caso BPN seja a mais inocente do mundo, dele e dos amigos, não lhe faz bem nenhum. Acho que não faz bem nenhum a nenhuma figura pública que tem de ter a confiança moral de milhões de pessoas aparecer em sítios onde não deve estar. Mesmo que a sua presença nesses sítios seja a mais inocente.
Acha que houve um acordo tácito entre Sócrates e Cavaco sobre a crise num primeiro momento?
Cavaco Silva disse que Sócrates lhe tinha mentido deliberadamente, que tinha sido desleal. Se a gente acreditar nisso, também tem de acreditar que ele sabia a verdade. Então como é que sabia que Sócrates estava a ser desleal? Aquilo tinha duas faces. Isto implica que Cavaco Silva sabia a verdade e não o denunciou, veio denunciá-lo agora. A ideia de que Cavaco, porque foi primeiro-ministro e Presidente da República, tem
algum talento para a política, é falsa. De resto, Portugal está cheio de casos desses, falsos escritores, falsos políticos, falsos jornalistas. Cavaco Silva não tem jeito nenhum para a política. É ver essas coisas que ele vai dizendo por aí ultimamente – e quando se enerva ainda é pior. Cavaco Silva só é político porque vive em Portugal.
Mas ganhou eleições legislativas três vezes, duas com maioria absoluta. E foi reeleito Presidente da República... Como se justificam essas vitórias?
Porque as pessoas o conheciam, porque tem uma imagem austera, trabalhadora, humilde, de quem subiu na vida pelo seu próprio esforço, rural, a quem o pai punha a cavar batatas. É uma coisa que pega bem em toda a parte e em Portugal ainda mais. As pessoas tendem a confiar nessas pessoas. Os cavacos têm uma vantagem de ordem social e é por isso que são aprovados como políticos.
Mas porque é que Passos aguenta tão bem nas sondagens? Porque as pessoas acham que não há alternativa nenhuma? A esquerda não capitalizou nas sondagens...
Na sua maior parte por isso. As pessoas não vêem saída. O PS não diz o que é que quer. Não se pode ter por programa político de um partido português dois pontos: um, mudar a política europeia; número dois, crescimento. E depois acrescentar, à laia de cláusula, para cumprir o segundo ponto, que é preciso fazer o primeiro. Isto não é uma política, isto são desejos! O PS nunca apareceu a dizer que em vez de fazer isto, fazia aquilo. Quanto à personagem de Passos Coelho, ele é muito calmo, tem essa vantagem. Nunca perde as estribeiras, nunca se apressa, é muito simpático. Vê-se na maneira como fala com as pessoas na rua…
Mas está a dar-lhes cabo da vida…
Mas não é ele! E toda a gente sabe que não é ele! Quem negociou isto foi Sócrates.
E Teixeira dos Santos, num tempo em que andavam de costas voltadas.
Sempre detestei aquele senhor [José Sócrates]. É um analfabeto, oportunista e demagogo. É um homem detestável. Execrável.
O que é que anda a escrever agora?
Ando a ler. Era um programa que eu tinha, passar um ano a ler. Ando a ler livros sobre a revolução francesa, todos os grandes clássicos, alguns dos quais só se encontram em bibliotecas.
Porquê a revolução francesa?
Porque foi onde tudo começou, aquilo que somos hoje.
Nunca mais podemos contar com um romance seu?
Os romances escrevem-se até aos 40 anos.
Olhe o Saramago, que começou aos 48…
E com grandes resultados… (risos). Se voltar a escrever outra coisa será um ensaio político. Mas não sobre Portugal.
Ainda sai muito?
Vou ao Gambrinus de vez em quando.
E continua a ser muito pontual?
Sou híper pontual. Acho que não se deve fazer esperar os outros, porque é ser mal--educado. É um sinal do nosso desenvolvimento. Temos uma cultura agrária. Trabalha-se de sol a sol. Só nas civilizações urbanas, o que ainda não somos, é que o tempo conta.
Levanta-se cedo?
Não sou um madrugador obsessivo. Nos dias em que tenho de escrever levanto--me cedo.
As pessoas não se aborrecem consigo por causa da sua assertividade?
Muito menos do que imaginam. Mais pelo que digo do que pelo que escrevo.
E com quem fala de política, hoje? Fala com o dr. Mário Soares?
Falo de política com o doutor Soares, mas esse não conta, conheço-o desde os 16 anos. Chegou a estar preso com um tio meu. A memória mais antiga que tenho dele é da prisão e de casa dos meus pais.
E sem ser com o doutor Soares?
Falava com o Paulo Portas antes de ele ir para o governo. Com o Pedro Passos Coelho antes de ele voltar ao partido e das candidaturas. Falar com ex-políticos é mais fácil. Falo praticamente com toda a gente. Com o Carlos Macedo, que já me esqueci de ter sido político. Estamos todos a envelhecer, mas há alguns que ainda estão na actividade.
E o que acha da capacidade de comunicação do governo?
Acho que uns ministros têm facilidade e talento para comunicar, há outros que não tem talento nenhum e são horrorosos quando abrem a boca.
Como Álvaro Santos Pereira?
Sim. E o da Defesa, José Pedro Aguiar Branco, e a senhora da justiça, Paula Teixeira da Cruz. É uma questão de talento. Há pessoas que têm e outras não.
O contabilista melancólico, como já chamou a Vítor Gaspar, tem talento?
Tem muito talento. É muito calmo, muito seguro, não tem grandes oscilações emocionais e consegue dar a noção de que sabe completamente do que está a falar. E é informativo.
É Gaspar quem manda no governo?
A figura Gaspar não se sobrepõe ao primeiro-ministro. O que pode é sobrepor--se à de outros ministros. O ministro das Finanças, quando tem o apoio do governo, manda no governo. O Relvas vem dizer que quero 10 tostões para mandar cantar um cego e o primeiro-ministro diz que não há dinheiro e o ministro das Finanças diz o mesmo. Quando o Cavaco era ministro das Finanças usava uma máquina de calcular nos conselhos de ministros e não entrava sequer na discussão. Fazia as contas para saber se tinha cabimento ou não.
A dra. Maria Filomena Mónica disse recentemente numa entrevista ao i que sente muito a sua falta…
Sobre a doutora Filomena Mónica já disse tudo o que tinha a dizer.
Se fosse secretário de Estado da Cultura hoje o que faria? O que acha de Francisco José Viegas?
Não o conheço suficientemente para ter uma ideia dele, se pode ser um bom secretário de Estado da Cultura. Ele, no fundo, é ministro da Cultura, está dois degraus acima de todos os outros secretários de Estado. Pode agarrar num telefone e falar com o primeiro-ministro, tem acesso directo a Pedro Passos Coelho. Quanto ao que ele fez, ainda não percebi muito bem. Não consegui ainda perceber o conjunto. Sei que não fez as coisas que eu achava que seriam absolutamente necessárias para resolver e fazer funcionar a cultura. E se calhar não fez por causa da austeridade. Na cultura devia existir um instituto do património, que tratasse da conservação do património nacional, das compras ou vendas, se o Estado quisesse vender património. Por outro lado, um conselho nacional das artes, que tivesse muito pouco dinheiro, para coisas muito escolhidas. E que fosse presidido pelos interessados, e não por qualquer militante do partido."

sexta-feira, maio 04, 2012

Sobre um amigo que morreu

Vasco Pulido Valente, Público 04.05.2012

Fernando Lopes

"Durante vinte anos, sem falhar um dia, ao balcão do "Gambrinus", por volta do meio dia (meio dia e meia), no último lugar ao pé da porta (para não ter um parceiro de cada lado), estava o Fernando Lopes. Quase nunca faltava; ali era um símbolo e um monumento. Quem aparecia, conversava um bocadinho com ele e depois seguia para uma mesa. No meu caso, ele vinha invariavelmente à minha mesa para o fim do almoço e costumávamos ficar os dois a falar, com a sala vazia, como se essa fosse a nossa verdadeira ocupação na vida. Raramente encontrei uma pessoa tão inteligente como ele. Via o mundo com uma pertinência, uma originalidade e uma subtileza, que me faziam muitas vezes sentir menor. E com uma espécie de irremediável melancolia, que só quem o conhecia bem acabava (e nem sempre) por notar.

Trabalhei com ele no argumento de uma série para a RTP e para um filme. A série (suponho que em doze episódios) não chegou, por razões que ignoro, a ser filmada. Passei meses a discutir a coisa cena a cena, plano a plano, frase a frase, com um Fernando que andava sem parar à minha volta e punha de parte quase tudo o que, na minha ignorância e deseducação, me lembrava do cinema "clássico" ("não é um plágio", dizia ele, "é uma citação") ou laboriosamente ia tirando da minha cabeça. Aprendi com ele o que era um filme, claro, mas também o que era literatura, fotografia, política e, principalmente, a olhar para o próximo com alguma atenção e simpatia. A série (que se chamava O Cordeiro de Deus), desapareceu no confuso ventre da RTP. Mas não desapareceu o resto. O que o Fernando mudou em mim e uma amizade que durou.

Quando chegou à altura do Delfim, comigo um bocadinho mais seguro e instruído, não houve tanta conversa, nem tantas dificuldades. Chegávamos depressa a uma solução e ele protestava menos: e também sabia melhor (e por força) o que ficara, para os propósitos dele, errado ou certo. Com o benefício da distância (e apesar de um grande desgosto e de alguns problemas laterais), nunca o voltei a encontrar com a mesma confiança e com a mesma energia. Por isto e por aquilo, o ritual do "Gambrinus" enfraqueceu, como o prazer e a ajuda que me dava. O Fernando existia, mas longe e, pior do que isso, intermitentemente. Os tempos felizes não voltaram mais. Não me consolei disso."
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