O MacGuffin: Uma cabeça de cavalo

terça-feira, junho 24, 2008

Uma cabeça de cavalo

João Pereira Coutinho in Expresso (21/06/2008)

União Europeia

A actual União Europeia já merecia um filme e eu, modestamente, tenho realizador para ele: Francis Ford Coppola, obviamente. Depois de "O Padrinho", seria fácil montar uma fita sobre as fitas que a União faz para construir uma Europa sem europeus.

E como se processa essa "construção"? Para citar Vito Corleone, fazendo propostas que os outros não podem recusar. Porque, se recusam, acordam com uma cabeça de cavalo entre os lençóis.

Durante meses, Bruxelas foi a família Corleone, ameaçando e chantageando os pobres irlandeses para que votassem num único sentido. Por definição, um referendo tem duas respostas possíveis; para a família, tem apenas uma, o que mostra desde logo a farsa democrática em que a União se sustenta.

Conhecidos os resultados irlandeses, com um expressivo "não" ao Tratado de Lisboa, a família não baixou os braços. E se alguém relembra que o Tratado precisa de ser ratificado pelos 27, coisa que o referendo irlandês teoricamente enterrou, a família não perde tempo e desata a rasgar as suas próprias leis.

O Tratado não está morto, disse a família, e acrescentou que os restantes membros devem ratificá-lo sem demora. A Irlanda, presume-se, será posta de castigo para pensar outra vez. Como aconteceu com o Tratado de Nice, em 2001. A prazo, os irlandeses serão reconduzidos às urnas e, com a arma apontada, obrigados a votar no sentido que a família recomenda. Ninguém gosta de acordar com uma cabeça de cavalo entre os lençóis.

Pessoalmente, nada disto me espanta. O que espanta é a alegre desvergonha da elite europeia que nem sequer oculta os seus procedimentos autoritários; procedimentos que repugnam qualquer democrata verdadeiramente liberal.

Mas não só. O espanto de hoje será coisa pouca perante o espanto de amanhã: ao ignorar e violentar as escolhas livres dos seus povos, a União Europeia está a semear o extremismo nacionalista que um dia despertará contra ela. E que despertará com uma violência política que transforma o referendo irlandês numa brincadeira de crianças.

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