O MacGuffin: Pinho calling at the top of the dial

quarta-feira, abril 02, 2008

Pinho calling at the top of the dial

Rui Ramos in Público, 02/04/2008

O gabinete do Dr. Pinho

Há muita coisa em Portugal para fazer sorrir. Uma delas é o fervor com que alguns ainda acreditam na necessidade de "submeter o poder económico ao poder político". A minha pergunta, depois do que ouvi e li durante o último ano, é esta: ainda mais? Em 12 meses, vimos o Governo acusado de dificultar negócios e de impor uma nova direcção respectivamente ao maior empregador e ao maior banco do sector privado. Agora, insinua-se que tem os mais importantes grupos de comunicação social suspensos das suas decisões sobre um novo canal de televisão e sobre a publicidade no canal do Estado. Que pensar, depois disto, do temível "poder económico"?

Em público, por decoro ou modéstia, o Governo não reconhece a sua força. Em privado, porém, a história parece ser outra: entre as paredes discretas dos gabinetes, o ideal revolucionário da submissão do poder económico é realizado ao natural, sem luvas. É o que se deduz das confissões de António Borges ao PÚBLICO acerca da sua experiência no gabinete do ministro da Economia, Manuel Pinho.

Dir-me-ão: não sabíamos já todos que era assim? Portugal tem a curiosa característica de ser um país em que já se sabe tudo - o que é uma forma de nos eximirmos ao trabalho de apurar a verdade sempre que é possível fazê-lo. Como neste caso. Não seria muito difícil investigar e comprovar o que António Borges e Manuel Pinho disseram sobre a ruptura dos contratos entre o Estado e a empresa cujos interesses Borges representava em Portugal em 2005. Convinha mesmo que esse trabalho fosse feito. Interessa-nos a todos. Porque se puder ser demonstrada, documentalmente, a probabilidade de alguém ter sido punido, através da empresa para que trabalhava, pelas opiniões políticas que manifestou enquanto cidadão, tornar-se-á claro que não precisamos cá do gabinete do dr. Caligari para ter pesadelos. Mas se não foi assim, é igualmente urgente que se saiba. Eis uma oportunidade para esclarecer finalmente em que país vivemos.

Em Portugal, os gabinetes de ministros e presidentes da câmara parecem, desde há demasiado tempo, uma fatalidade: tudo passa por lá, mais tarde ou mais cedo. Mas não deverá ser assim? Não representa esta preeminência, em democracia, o autogoverno da sociedade, através dos homens públicos que a representam legitimamente? Acontece que no poder político, numa sociedade plural, nunca estão representadas todas as opiniões, mas apenas algumas - e que o poder político nunca é apenas algo que emana das opiniões, mas que as forma. A sua omnipotência nunca é uma garantia de liberdade para todos.

Por cá, o poder político tendeu a ser quase sempre tudo, e os restantes poderes muito pouco ou nada. Desde 1975, nacionalizações e privatizações habilitaram os governos para destruir e reconstruir grupos económicos à vontade. Entretanto, o peso do Estado multiplicou-se. Há um século, Portugal era ainda um país de proprietários que viviam das suas rendas e de lavradores e artesãos que viviam do seu trabalho. Hoje, é um país de funcionários, pensionistas e utentes, submetidos ao governo e aos seus truques com impostos, subsídios, pensões e serviços públicos. Nós votamos, mas o poder determina os nossos comportamentos e condiciona as nossas opiniões. É esta possibilidade de controlar e mandar tudo que cria, nos nossos governantes, a tentação de tudo controlar e mandar. Por isso, o PS é acusado hoje do que o PSD foi acusado no passado.

A causa da liberdade não é servida pela submissão do poder económico ao político, mas por outra coisa: a separação dos dois, através da instituição de uma economia de mercado concorrencial, com os devidos mecanismos para prevenir práticas desleais e posições dominantes. Proporcionaria certamente negócios a alguns. Mas daria a todos uma coisa mais importante: liberdade acrescentada, através da criação de contrapesos sociais ao poder político. Se houvesse uma oferta maior de ensino privado, os professores não estariam à mercê do ministério e das suas avaliações. Tal como os médicos já não estão, graças aos hospitais privados.

É verdade que há no Estado poderes para equilibrar o do governo. Mas bastará um Presidente da República, um Tribunal Constitucional ou uma oposição parlamentar para podermos respirar? Talvez valesse a pena pensar num outro modelo social, em que as nossas aspirações e medos não dependessem de um ministro. De contrário, a crer em António Borges, teremos todos de continuar à espera daquela fatal chamada de segunda-feira ao gabinete deste ou doutro dr. Pinho.

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