O MacGuffin: Um augusto <i>apparatchik</i>

segunda-feira, abril 16, 2007

Um augusto apparatchik

O mote foi dado há muito, o tom tem sido uma constante. O homem é, reconheça-se, coerente. Estamos a falar de quem, enquanto militante, dirigente, ex-ministro e ex-director do Acção Socialista, assinava as suas crónicas no jornal Público sob o título de “Professor Universitário” – uma insígnia que em Portugal confere tom grave ao palavreado e certifica putativas elucubrações - ao mesmo tempo que reverberava com especial ardor e copiosa disciplina a voz do dono (leia-se do «partido» e do acidental «chefe»). Era com empenho e notório prazer que, na qualidade de «professor universitário», este senhor vergastava aqueles que, supostamente erguendo vestes de «independentes» e «imparciais», mais não eram, segundo o próprio, do que criaturas da noite e da intriga, feitas com o poder, com o partido x ou com a ideologia y. Não suportava a dissimulação, indignava-o a subserviência, inquietava-o a sabujice. E disso dava conta, revelando ser essa a função precípua do «espaço» que ocupava naquele jornal. Alturas houve em que a indignação chegou ao rubro. Sobre o caso Casa Pia e o envolvimento de um seu colega de partido, chegou a «empenhar toda a sua credibilidade» e a ameaçar que «se, por absurdo, ele viesse a ser condenado num julgamento imparcial, renunciaria a toda e qualquer actividade política»(sic). Os critérios de «imparcialidade», em caso de condenação, seriam, obviamente, seus. Seja como for, no rescaldo do caso Casa Pia, o alvo preferencial das suas críticas era já o «jornalismo» e os seus fazedores, sobretudo os que insistiam em chatear os seus com insinuações vagas, histórias tresloucadas e perseguições políticas comissionadas. Não o perturbava, por exemplo, o facto da generalidade da imprensa dita séria dar albergue a políticos no activo armados em articulistas, alguns deles próximos do poder, que com o ar mais sério e «independente» do mundo se achavam no direito de botar opinião sobre tudo e mais alguma coisa. Não. O que já na altura lhe tirava o sono era a forma como certos jornalistas licensiosos se pavoneavam por aí, à tripa forra, ousando incomodar gente séria e acima de qualquer suspeita. Afiançava o «professor universitário», como quem jura pela alma da mãezinha, que os piores eram mesmo os hipócritas engajados e com uma agenda política. (É claro que os poucos nomes que vieram à baila nas suas crónicas – Luis Delgado, por exemplo - foram sempre de gente da outra «barricada» política. Mas isso é um pormenor.) Conclusão óbvia: faltava ao bando vigilância, sobrava-lhe liberdade de movimentos. Vai daí, chegado ao poder e tendo como tutela a coisa, o ex-professor universitário está empenhadíssimo em forjar novas «regras» e «estatutos», e em organizar e arregimentar fiscais, no sentido de pôr fim à balbúrdia.

Inquietante. Sobretudo porque, neste caso, não havendo um inventário de situações minimamente graves e não se tratando de um país de abusos recorrentes ou de excessos jormalísticos primários, não ocorre ao ministro o óbvio ululante: em matéria de liberdade de expressão e em sede de escrútinio público, o excesso é sempre preferível ao defeito (aliás, só no «excesso» há jornalismo à séria, mas isso levar-nos-ia a uma discussão inútil com o senhor ministro). A fronteira entre sobre-regulamentação e censura é ténue, para não dizer inexistente. Qualquer tentativa para reforçar a regulamentação da actividade dos jornalistas, numa tentativa de substituir aprioristicamente a lei comum, as instâncias clássicas e os códigos de conduta já existentes, são péssimas notícias. No caso deste ministro, naturais. Inevitável: ele tinha que fazer qualquer coisa. O trotskismo deixa sempre resquícios.


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