O MacGuffin: julho 2004

sexta-feira, julho 16, 2004

ATÉ JÁ
E, agora, se me dão licença, parto para umas merecidas (?) férias. Na bagagem, sobretudo livros. Muitos. Erro crasso: sei que acabarei por me irritar quando constatar que, por entre as solicitações da filhota e os apelos de Morfeu, não tive tempo para quase nada. É a vida: um contínuo stress.

Estarei de regresso no final do mês. Por essa altura, segundo a opinião pública internacional, já Santana Lopes terá destruído o país. Pela minha parte, espero reencontrar o meu PC intacto. Parar de blogar é que não.


PS: contínuo sem compreender as razões do J. (agora fazem-se referências a "punhais nas costas"). Contínuo sem encontrar o link para o putativo texto do JMF. Estou mesmo a precisar de férias.

A VER SE NOS ENTENDEMOS
1. José Sócrates, o candidato, afirmou, na têvê, que quer fazer do PS o partido da “esquerda moderna e moderada”. Bravo.
2. Cinco minutos depois, deixou bem claro que não fecharia a porta a um eventual acordo parlamentar com o Bloco de Esquerda (género “coligação”), até porque, palavras suas, “o partido do BE já não é o partido que era há dois anos atrás” (sic!).

Até a minha filha, de oito anos, observou: “ou uma coisa ou outra, Sr. Eng.”


ATÉ O CARNE, VEJAM SÓ!
Até este senhor, perdão, o blogue deste senhor, fez um ano. Muitos parabéns, pois então. E boa continuação. Se fizer favor.
RAZÕES PORQUE NÃO VOU À BOLA COM O NERUDA, 6

O desejo
Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis no céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.

Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.

Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.

Herberto Helder

RAZÕES PORQUE NÃO VOU À BOLA COM O NERUDA, 5

Aubade
I work all day, and get half-drunk at night.
Waking at four to soundless dark, I stare.
In time the curtain-edges will grow light.
Till then I see what's really always there:
Unresting death, a whole day nearer now,
Making all thought impossible but how
And where and when I shall myself die.
Arid interrogation: yet the dread
Of dying, and being dead,
Flashes afresh to hold and horrify.

The mind blanks at the glare. Not in remorse
- The good not done, the love not given, time
Torn off unused - nor wretchedly because
An only life can take so long to climb
Clear of its wrong beginnings, and may never,
But at the total emptiness for ever,
The sure extiction that we travel to
And shall be lost in always. Not to be here,
Not to be anywhere,
And soon; nothing more terrible, nothing more true.

This is a special way of being afraid
No trick dispels. Religion used to try,
That vast moth-eaten musical brocade
Created to pretend we never die,
And specious stuff that says No rational being
Can fear a thing it will not feel, not seeing
That this is what we fear - no sight, no sound,
No touch or taste or smell, nothing to think with,
Nothing to love or link with,
The anaesthetic from which none come round.

And so it stays just on the edge of vision,
A small unfocused blur, a standing chill
That slows each impulse down to indecision.
Most things may never happen: this one will,
And realisation of it rages out
In furnace-fear when we are caught without
People or drink. Courage is not good:
It means not scaring others. Being brave
Lets no one off the grave.
Death is no different whined at than withstood.

Slowly light strengthens, and the room takes shape.
It stands plain as a wardrobe, what we know,
Have always known, know that we can't escape,
Yet can't accept. One side will have to go.
Meanwhile telephones crouch, getting ready to ring
In locked-up offives, and all the uncaring
Intricate rented world begins to rouse.
The sky is white as clay, with no sun.
Work has to be done.
Postmen like doctors go from house to house.

Philip Larkin
in Times Literary Supplement, 23 de Dezembro de 1977

RAZÕES PORQUE NÃO VOU À BOLA COM O NERUDA, 4

São os rios
Somos o tempo. Somos a famosa
parábola de Heraclito o Obscuro.
Somos a água, e não o diamante duro,
a que se perde, não a que repousa.
Somos o rio e somos aquele grego
que se olha no rio. A sua visagem
muda na água da mutável imagem,
no vidro que muda como o fogo.
Somos o vão rio determinado,
rumo aos seu mar, pela sombra cercado.
Tudo nos diz adeus, tudo nos deixa.
A memória não cunha moeda.
E contudo há algo que queda
e contudo há algo que se queixa.

Jorge Luis Borges
in Los Conjurados

RAZÕES PORQUE NÃO VOU À BOLA COM O NERUDA, 3

Lullaby
Lay your sleeping head, my love,
Human on my faithless arm;
Time and fevers burn away
Individual beauty from
Thoughtful children, and the grave
Proves the child ephemeral:
But in my arms till break of day
Let the living creature lie,
Mortal, guilty, but to me
The entirely beautiful.

Soul and body have no bounds:
To lovers as they lie upon
Her tolerant enchanted slope
In their ordinary swoon,
Grave the vision Venus sends
Of supernatural sympathy,
Universal love and hope;
While an abstract insight wakes
Among the glaciers and the rocks
The hermit’s carnal ecstasy.

Certainty, fidelity
On the stroke of midnight pass
Like vibrations of a bell
And fashionable madmen raise
Their pedantic boring cry:
Every farthing of the cost,
All the dreaded cards foretell,
Shall be paid, but from this night
Not a whisper, not a thought,
Not a kiss nor look be lost.

Beauty, midnight, vision dies;
Let the winds of dawn that blow
Softly round your dreaming head
Such a day of welcome show
Eye and knocking heart may bless,
Find our mortal world enough;
Noons of dryness find you fed
By the involuntary powers,
Nights of insult let you pass
Watch by every human love.

Wystan Hugh Auden
in Tell Me the Truth About Love

RAZÕES PORQUE NÃO VOU À BOLA COM O NERUDA, 2

somewhere i have never travelled,gladly beyond
any experience,your eyes have their silence:
in your most frail gesture are things which enclose me,
or which i cannot touch because they are too near

your slightest look easily will unclose me
though i have closed myself as fingers,
you open always petal by petal myself as Spring opens
(touching skilfully,mysteriously)her first rose

or if your whish be to close me,i and
my life will shut very beautifully,suddenly,
as when the heart of this flower imagines
the snow carefully everywhere descending;

nothing which we are are to perceive in this world equals
the power of your intense fragility:whose texture
compels me with the colour of its countries,
rendering death and forever with each breathing

(i do not know what it is about you that closes
and opens;only something in me understands
the voice of your eyes is deeper than all roses)
nobody,not even the rain,has such small hands

e.e. cummings



RAZÕES PORQUE NÃO VOU À BOLA COM O NERUDA, 1

Da Mulher Deitada
O ver-te nua é recordar a Terra,
a Terra lisa, limpa de cavalos.
A Terra sem um junco, forma pura
e cerrada ao porvir: confim de prata.

O ver-te nua é compreender a ânsia
da chuva que procura um corpo frágil,
ou a febre do mar de imenso rosto
sem encontrar a luz da sua face.

O sangue soará pelas alcovas
e virá com espadas fulgurantes,
mas tu não saberás onde se ocultam
o coração de sapo ou a violeta.

Teu ventre é uma luta de raízes,
teus lábios uma aurora sem contorno.
Debaixo das rosas tépidas da cama,
à espera de vez, gemem os mortos.

Federico García Lorca

quinta-feira, julho 15, 2004

AINDA A TEMPO
Uma senhora muito querida (vou omitir o seu nome) salvou a minha face ao lembrar-me, in extremis (faltam pouco mais de quinze minutos para a meia-noite), que o blogue do Bruno celebra hoje o seu primeiro aniversário.

Parabéns ao Bruno. E os mais sinceros agradecimentos: a sua presença na blogosfera vem provar que há gente jovem lúcida, desassombrada, perspicaz e cool. Todos os dias no Desesperada Esperança.


FRANCAMENTE
(corrigido)
Do leitor Rui Queiroz:

”Mas afinal não gosta do Neruda por o considerar mau poeta ou porque ele era
comunista? É uma estranha coincidência que os blogers de direita NUNCA
gostem de ARTISTAS de esquerda...
É o mesmo que alguém de esquerda dizer mal do Borges porque era de direita!
Francamente...”


Caro Rui: não se trata de o considerar "um mau poeta", nem sequer de "não gostar" de Pablo Neruda. Do que eu "não gosto" é da sua poesia. Uma questão de sensibilidade (“source inexhausted of all that’s precious in our joys, or costly in our sorrows”, como escreveu um dia Laurence Sterne).

Sempre achei a poesia de Neruda demasiado «juvenil» para o meu gosto. Há poemas que roçam um grau de superficialidade que se aproxima perigosamente dos desabafos simplistas de um qualquer teenager armado em poeta. Exemplo:

“eu adoro toda
a poesia escrita,
todo o orvalho,
lua, diamante, gota
de prata submergida”


Isto, para mim, é medonho. Outro exemplo:

“Tal vez consumirá la luz de Enero,
su rayo cruel, mi corazón entero,
robándome la llave del sosiego.

En esta historia sólo yo me muero
y moriré de amor porque te quiero,
porque te quiero, amor, a sangre y fuego”


A densidade deste poema é sensivelmente igual à densidade representativa do Tó Zé Martinho.

Ao contrário de Neruda, eu não “adoro toda a poesia escrita”. Há poetas que me dizem tudo, outros que me dizem nada ou muito pouco. Lamento, mas Neruda não mexe comigo.

Quanto à “estranha coincidência” que referiu, pois que o seja. Estranha. O facto de Neruda ter sido comunista, não me interessa nada. O que está em causa é o poeta, não o homem. Faço-lhe a pergunta ao contrário: teria eu de esconder as minhas reservas relativamente à poesia de Neruda para evitar que pensassem “lá está ele outra vez, a dizer mal de um poeta só porque é de esquerda”? Não gosto de ser cínico. Nem hipócrita.

PARABÉNS!
Hoje, o Miniscente celebra o seu primeiro aniversário. Ao meu conterrâneo e colega blogger Luis Carmelo os meus parabéns e os votos de longa vida, dentro e fora da blogosfera. Cheers!
E SE...
E se Durão Barroso chumbar a eleição para Presidente da Comissão Europeia?

quarta-feira, julho 14, 2004

NÃO FICA “DESDE JÁ” AVISADO, PORQUE JÁ O FIZÉMOS (NÓS SOMOS ASSIM: EXPEDITOS)
(resposta ao "Último Aviso" de JMF)
Vimos por este meio reivindicar o atentado por nós perpetrado às 18:00 do dia 14 de Julho de 2004, que ceifou a vida ao menino Rui Manuel Terras do Nunca, filho do sionista e ocupante JMF. Este atentado justifica-se na medida em que, como nos têm vindo a ensinar desde a mais tenra idade, consubstanciado, por exemplo, pelo silêncio do Tribunal de Haia nesta matéria, os cães sionistas (civis ou não, crianças ou adultos, idosos ou adolescentes, mulheres ou homens) têm de ser abatidos. De preferência os seus descendentes. Só dessa forma vingaremos os nossos irmãos e recuperaremos toda a nossa terra (da Cisjordânia a Gaza), fazendo jus aos compromissos celebrados com o grande profeta - que fará, a partir de agora, o favor de nos receber condignamente na sua penthouse etérea (incluindo catering & escort service). Mais informamos que estão a ser planeadas novas acções, no âmbito da mãe de todas as guerras: a santa. Num autocarro perto de si.
AINDA NÃO
Estou a envidar esforços no sentido de encontrar o link para o putativo texto do JMF (ver post mais abaixo). Por enquanto, ainda não consegui.
AFINAL NÃO
Agora que me preparava para ler, novamente, as razões invocadas por J. para acabar com o Cruzes Canhoto, naquela que seria a trigésima terceira tentativa para as perceber, vejo que o dito post foi retirado. Por um lado, ainda bem. Fui poupado.
NERUDA, PABLO
Andava para escrever um post sobre o Neruda, mas estes dois senhores (aqui e aqui) foram bem mais rápidos. E certeiros.
EXCELENTE DISCO
(ou Uma Boa Razão Para Este Biltre Começar A Apreciar Jazz)

EXCELENTE LIVRO
(ou Alguém Que Colocou As Coisas No Seu Devido Lugar)


EXCELENTE FILME
(ou Haverá Sexo e/ou Traição Sem Consequências?)

terça-feira, julho 13, 2004

MEA CULPA
Fui injusto para com o JMF. Ainda há dias, parece-me ter lido no seu blogue:

"Os soldados de Israel demoliram ontem uma casa com um paraplégico de 72 anos lá dentro. Estranho. Estranho na medida em que estas demolições, por muito injustas e ilegais que sejam, são sempre antecedidas de avisos para permitir a evacuação de quem lá mora. E se... e se alguém, do lado palestiniano, se esqueceu de o tirar? E se alguém, do lado palestiniano, impediu que os seus familiares o resgatassem? E se alguém, do lado palestiniano, o colocou lá dentro, dopado ou semi-consciente, para fazer dele o mais recente mártir e, en passant, tornar cruéis e medonhas, aos olhos da opinião pública mundial, as acções do exército israelita?"

Por azar, perdi o link do texto. Quando o encontrar, publicá-lo-ei. Juro.
PERCEBI-TE
A resposta de JMF não se fez esperar:

"Ariel Sharon manda demolir casas de civis aos magotes, Ariel Sharon manda construir um muro no terreno dos vizinhos, os soldados de Israel mataram há três semanas uma menina de quatro anos que tinha ido comprar rebuçados, os soldados de Israel demoliram ontem uma casa com um paraplégico de 72 anos lá dentro - o Ariel Sharon aplaude e acha normal. O Ariel Sharon é, em suma, um criminoso de guerra. E nem preciso de ir buscar o seu passado - basta-me o que faz à vista de nós todos. De um criminoso de guerra, espero tudo, até e principalmente que dispare sobre o seu próprio povo."

Entendi. Suponho que JMF pense o mesmo em relação a Arafat e à boa gente do Hamas. Estou a lembrar-me, por exemplo, do mês de Abril de 2002: dois palestinianos disfarçados de soldados israelitas cortaram o sono de Daniele e estoiraram-lhe a cabeça, na sua própria casa, no seu próprio quarto, enquanto ela dormia. Não tinha ido comprar rebuçados. Estava apenas a dormir. E era uma menina. Estou a lembrar-me, por exemplo, do que aconteceu em Janeiro de 2004. Estou a lembrar-me da morte de dezenas de jovens junto a uma discoteca em 2002. Etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc...

Pois. Mas criminosos de guerra há só um: Ariel Sharon e mais nenhum. E só do lado israelita se pode esperar tudo, não é caríssimo JMF?

É pena que JMF só consiga perscrutar o incognoscível sempre para o mesmo lado. São "causas", Senhor, são "causas"...
RIP?
O Cruzes Canhoto acabou. É pena. Lamento. Contudo, espero que J. reconsidere.

Quanto às razões invocadas, ainda não as percebi (e já as li várias vezes). Estou a perder qualidades.
SE A MINHA AVÓ TIVESSE RODAS SERIA UM AUTOCARRO
Só agora reparei no post do JMF, insinuando (ou colocando em hipótese) o seguinte: o atentado de anteontem em Telavive poderá ter sido obra israelita para justificar o muro e, ao mesmo tempo, contestar a decisão do Tribunal de Haia.

Acreditem: li o post várias vezes enquanto me beliscava. Mas não. JMF escreveu mesmo isto:

"Achei especialmente apropriado aquele atentado, hoje em Telavive, 48 horas após o acórdão do Tribunal de Haia que ilegaliza o muro e em cima da habitual reunião semanal do Conselho de Ministros de Israel.
Nota 1: o atentado não foi realizado por qualquer suicida, foi uma bomba colocada numa paragem de autocarro;
Nota 2: o atentado fez apenas um morto;
Nota 3: Ariel Sharon usou o atentado como exemplo do terrorismo que justifica o muro."


Como diria o Charles Laughton em Witness For The Prosecution, I rest my case.

segunda-feira, julho 12, 2004

REGRESSO AO FUTURO
O Cruzes Canhoto afirma que eu estou radiante perante a perspectiva do PS “guinar para a direita” (sic) - momento a partir do qual já ninguém fará frente à “canga, palas, arreios e carroça ideológica de um reaccionário do séc. XVII” (sic). Diz, ainda, que a demissão de Ferro ”empobreceu ainda mais a democracia portuguesa” (sic). Percebo. O Cruzes sonha com o enriquecimento da democracia portuguesa pela via da «diversidade» (faltarão quem: anarquistas, bolsheviques, peronistas e budistas?). Pegando na sua elegantíssima comparação, o que lixa o Cruzes é o facto de ter saído de cena um reaccionário jacobino do Sec. XIX ou um reaccionário esquerdista e utopista à boa maneira do Sec. XX?

Agora a sério: eu não estou radiante com a saída de Ferro Rodrigues. Não tenho nada que ver com o assunto. Mas prevejo que, daqui para a frente, se possa pôr um ponto final no afunilamento e na radicalização ideológica da mensagem política levadas a cabo por Ferro Rodrigues (com Ana Gomes mesmo ali ao lado). Dificilmente votarei no PS (o "dificilmente" é para ser simpático), mas agrada-me pensar que o maior partido da oposição – que reparte intermitentemente o poder com o PSD – pode estar a caminho de injectar na sua «praxis» uma lufada de ar fresco suficientemente forte para sacudir a funalização e o tom simplista e maniqueísta imprimidos por Ferro, à boa maneira da esquerda ou da direita mais radicais. Lembremo-nos de um facto: Ferro Rodrigues dificilmente fecharia a porta a uma coligação com o Bloco de Esquerda, se dela precisasse.

A democracia empobreceu com a saída de Ferro? Um perfeito disparate. Não sei em que mundo vive o Cruzes, mas seria interessante deixar de lado o dramatismo e perceber que, dentro da dicotomia esquerda vs. direita, ainda é possível fazer-se política com sentido, razoabilidade, responsabilidade e realismo. Sem a canga passadista dos slogans demagógicos, da litania ao virar da esquina e do “25 de Abril por cumprir”.
A ESQUERDA POPULISTA EM TODO O SEU ESPLENDOR
Escreveu Augusto Santos Silva:

“Populismo quer dizer demagogia infrene, exploração das emoções, primarismo ideológico, culto quase messiânico do líder, cumplicidade activa com a comunicação social tablóide, espectacularização da política, atenção exclusiva ao curto prazo, desprezo pelas regras institucionais. É preciso não deixar o povo nas mãos dos populistas, mas não é menos necessário confrontar o povo com uma alternativa não populista, claramente distinta, claramente enunciada.
O que implica, a meu ver, alguns cuidados. Não se pode cair no erro de seguir ou imitar os populistas, na imagem e no estilo: o original ganha sempre à cópia, o emulado ao emulador. Não se poderá fulanizar demasiado o combate político e muito menos atacar "ad hominem" pela via da diabolização.”


Demagogia infrene? Primarismo ideológico? Espectacularização da política? Fulanização do combate político? Ataques “ad hominem” pela via da diabolização? A vossa atenção, por favor:

"Em pouco mais de 12 horas, ocorreu a morte política e sobretudo simbólica de Jorge Sampaio e soubemos a morte de Maria de Lourdes Pintasilgo.[...] O momento é do mais carregado luto.»
Augusto M. Seabra in Público

”Num só mês morrem Sousa Franco, Sophia de Mello Breyner e Maria de Lourdes Pintasilgo. Santana Lopes é primeiro-ministro sem ir a votos. Dar a palavra aos eleitores é considerado "instabilidade". Um presidente de plataforma cidadã prefere a oligarquia à democracia. Um político demite-se um mês depois de ter conseguido a maior vitória de sempre do seu partido.
Resta chorar. Mas em público, para que todos vejam.”

Rui Tavares in Barnabé

“Há hábitos que não se perdem.
A direita está em festa. Gosta de receber o poder sem ter de ir a eleições.”

Daniel Oliveira in Barnabé

”A direita sempre quis um governo, uma maioria, um presidente. Conseguiu.”
”A democracia está em perigo.”
Ana Gomes

”Um Governo, uma Maioria, um Presidente
Claro que concordo com Ana Gomes: finalmente, a direita conseguiu.”

Daniel Oliveira in Barnabé

”Um país no esgoto
Ganhou Pedro Santana Lopes.
Ganhou Paulo Portas.
Ganhou Alberto João Jardim.
Ganhou Luís Filipe Menezes.
Ganhou António Pires de Lima.
Portugal sofreu uma vergonhosa derrota.”

Rui Tavares in Barnabé

"O medo venceu a esperança."
Francisco Louça

”Os quatro fugitivos do apocalipse: António Guterres, Durão Barroso, agora Jorge Sampaio e, por fim, Ferro Rodrigues.”
”O 25 de Abril acabou.”
José Saramago

sábado, julho 10, 2004

COM AMIGOS DESTES...
As reacções na hoste socialista, à decisão de Jorge Sampaio, têm alternado entre o puro vómito (Ana Gomes) e o respeito desassombrado (João Soares, p. ex.), passando pela injustiça e pela mais genuína deslealdade para com um companheiro de partido, agora Presidente da República. Se ainda não o sabia, é muito provável que Jorge Sampaio perceba agora que, nesta vida, os amigos são muito poucos. E que, com certos «amigos», podem dispensar-se os inimigos.
OPINIÃO
De João Marcelino:

Uma decisão acertada
"Na véspera, Vítor Constâncio, o insuspeito socialista que há vários anos preside ao Banco de Portugal, tinha anunciado o final da crise. Na Assembleia da República existia, e existe, uma maioria capaz de gerar um Governo estável, como nos últimos dois anos. Uma decisão no sentido de eleições antecipadas não faria qualquer sentido e Jorge Sampaio soube colocar os interesses de Portugal acima dos interesses da família ideológica a que sempre pertenceu.
O Presidente da República resistiu ao apelo da Esquerda, foi isento, e escolheu um caminho que, sendo óbvio à luz do funcionamento de uma qualquer Democracia em estado adulto, o prestigia como referencial de todos os portugueses.
A decisão, no entanto, demorou demasiado. O suspense esgotou o prazo de validade e Jorge Sampaio não resistiu mesmo, qual Hitchcock, à pequena maldade de nos fazer ver os três telejornais até ao fim
Agora abre-se um novo ciclo.
Santana Lopes chega a primeiro-ministro numa conjuntura surpreendente e este facto deve impor-lhe responsabilidades acrescidas. Tem a obrigação de propor ao PR e ao País um Governo forte, coeso e, sobretudo, capaz de não falhar a tão esperada recuperação económica. Os portugueses estarão mais atentos ao seu nível de vida do que à dramatização que a Esquerda não deixará agora de introduzir na vida política.
Há ainda um outro factor decorrente da decisão do Presidente que não é de somenos: o Partido Socialista vai discutir calmamente a liderança e em breve poderá vir a fornecer uma alternativa de novo credível. Isso é igualmente muito importante porque nenhum País pode viver de um só partido ou de uma só corrente política.
Por tudo isto, e pela qualidade do texto, claro, responsável, exigente em relação à coligação PSD/PP, que ontem leu ao País, Jorge Sampaio está de parabéns.

Nota – Nestas últimas duas semanas pudemos constatar como a velha Esquerda e a Direita ressabiada conduziriam Portugal se estivessem no Poder. Felizmente que Soares, Pintasilgo, Freitas e outras figuras já fazem parte do passado. É um sinal de evolução que devemos saber estimar."
FOI BIRRA OU APENAS O CULMINAR DA CRÓNICA DE UMA MORTE HÁ MUITO ANUNCIADA?
Retirando-lhe algum do tom dramático, os laivos de enfado, uma pitada de nervosismo e os recados para o futuro (parece que “só” agora vai passar a estar “atento”), a comunicação de Jorge Sampaio foi clara, concisa e objectiva. Vinda de quem vem, é caso para se abrir uma viuvinha Clicquot.

As reacções à decisão de Jorge Sampaio pautaram-se pela previsibilidade. O PC e o BE optaram pelo já habitual tom da litania, do apocalipse e da mais «profunda indignação». O PP e PSD disseram o que tinham para dizer, sem mais delongas. A excepção vai inteirinha para o PS: o registo foi de tragédia.

A atitude de Ferro Rodrigues, para além de surpreendente, foi, a todos os níveis, lamentável. Tratou-se de uma reacção contrária à postura de contenção, sobriedade e consciência institucional que se exige do líder do maior partido da oposição.

A decisão de Jorge Sampaio era uma decisão que, pela sua natureza e objecto, não poderia significar, fosse para quem fosse, nenhuma vitória ou derrota política. E muito menos pessoal. Fosse qual fosse a decisão, a responsabilidade caberia, única e exclusivamente, ao Presidente da República. Anunciando anteriormente que “respeitaria” qualquer decisão, a reacção de Ferro Rodrigues é, toda ela, no sentido oposto. Ferro Rodrigues deixa no ar a ideia de birra com laivos de rancor por, supostamente, um «amigo» e «camarada» não lhe ter feito a vontade. Ferro Rodrigues acaba por insinuar que falhou em «convencer» o PR a decidir-se por eleições antecipadas, saindo derrotado de uma espécie de plebiscito unipessoal, como se este fosse mais um «combate da sua vida». Atitude totalmente desnecessária e descabida.

Depois, Ferro Rodrigues volta a extremar o seu discurso, muito na linha dos partidos da esquerda extrema (PC e BE), falando numa “solução perigosa” para o país, como se a democracia portuguesa estivesse na iminência de um desastre.

Por último, arrasta consigo, mais uma vez, o partido para uma situação de clara fragilidade.

Teriam razão aqueles que sempre disseram que Ferro Rodrigues era politicamente inapto para dirigir o seu partido e, no limite, os destinos de um país?

PS: Quer-me, contudo, parecer que, com a saída de Ferro Rodrigues, o PS sai vitorioso. Fica aberta a possibilidade de eleger um líder bem mais capaz e que varra, de uma vez por todas, toda a canga ideologicamente passadista que tende a soterrar o PS em preconceitos e tiques típicos de um partido entrincheirado no saudosismo dos «amanhãs que cantam» e nos dogmas do velho socialismo.
DIREITO DE RESPOSTA
Ao Sr. JMF: não vi o Fahrenheit 9/11 de Moore e devo dizer que detestei. Não escondo aquilo que sou: um idiota da subjectividade.

sexta-feira, julho 09, 2004

FORTUNA E STEINER (ESTE É O MEU 1.000.º POST!)
Ontem, fui convidado a assistir, no Palácio Cadaval, ao concerto de Fortuna, uma das cantoras convidadas do 10.º Festival Évora Clássica (festival organizado pela Casa Cadaval). Eis a sua biografia:

“Cantora, compositora, brasileira de origem judaica, teve formação ligada à música, dança e teatro. Participou como cantora de diversos espetáculos teatrais e durante algum tempo trilhou o caminho da música popular brasileira, tendo sido parceira do poeta Paulo Leminski, com quem desenvolveu um repertório de canções, muitas delas inéditas.
Em 1991, durante tournet em Israel, ouviu pela primeira vez uma obra do cancioneiro ladino. Esse encontro mudaria sua vida: "foi um momento mágico. Senti a beleza, a doçura e a sabedoria ali contidas. Isso provocou uma reviravolta em minha carreira e uma aproximação mais profunda, através da música, com a cultura, a religião e os costumes judaicos."
Desde então, Fortuna iniciou seu trabalho de pesquisa e resgate dessas canções medievais quase esquecidas, num trajeto que a levou a gravar, de forma independente, os CD’s: La Prima Vez, Cantigas, Mediterrâneo, Mazal e Cælestia com o Coro de Monges Beneditinos do Mosteiro de São Bento, que lograram vender até o momento 80.000 cópias com distribuição na Argentina, Espanha, Israel e EUA.”


Ladino era a expressão popular musical dos serfaditas, a comunidade judaica ibérica, expulsa em 1492, e que veio, posteriormente, a instalar-se nos Balcãs e na bacia mediterrânica.

No mesmo dia, tinha lido a entrevista de Steiner a Spire. A certa altura, Steiner conta o que o seu pai lhe dissera no dia do seu Bar-Mitzva: “Pertences a um clube do qual não nos demitimos. Pelo contrário, reclamamo-nos dele.” Mais à frente, Steiner interroga-se: “Pergunto-me porquê: porquê o milagre, a extravagância desta sobrevivência depois de perseguições milenares? Uma vez que os massacres, os pogroms, são toda a história dos judeus. Coroados por Auschwitz.(…) Somos os convidados da vida”.

Ontem, na voz de Fortuna e naquelas canções de amor, de sofrimento, mas também de alegria e humor, vislumbrei um pouquinho desse milagre.
SEM MEDO
(actualizado e corrigido)
Recebo diversas missivas alertando-me para facto grave: a minha opinião (contrária à convocação de eleições antecipadas) colide com a do «meu» João Pereira Coutinho. Houve, ainda, quem me tivesse alertado para mais: a minha posição, para além de não coincidente com a de duas pessoas «muito cá de casa» (João Pereira Coutinho e Vasco Pulido Valente), segue o diapasão da direita “ortodoxa” (num caso) e da direita “dos meninos imberbes e populistas que vivem agarrados ao poder” (noutro).

Começo a habituar-me a estar arrolado, por terceiros, em grupos, capelinhas e categorias que pouco ou nada me interessam. Filosoficamente, sei que sou de direita. Mas não o sou, nem nunca o fui, por seguidismo ou por via doutrinária. Nunca fui à bola com o Sr. Ortega y Gasset mas, neste caso, tenho de o parafrasear: eu sou o que sou mais as minhas circunstâncias. Nesta matéria, como noutras, estou-me positivamente nas tintas para a posição da direita ou da esquerda ortodoxas, heterodoxas, neo-conservadoras, pós-modernistas, neo-socialistas, etc. Não penso, também, pela cabeça do João Pereira Coutinho (JPC) ou do Vasco Pulido Valente (VPV). É certo – certíssimo! – que o grau de concordância que mantenho com estes dois cronistas ultrapassa, por vezes, o limite do tolerável, no que ao pudor diz respeito. Mas, cautela: não se trata, obviamente, de uma concertação ou bajulação apriorística. As coisas não funcionam assim. Nós não passamos a pensar à JPC ou à VPV. Só os ineptos aderem incondicional e cegamente ao que dois ou três articulistas professam. O que está em causa é, tão só, uma convergência de ideias e opiniões com origem na justaposição de experiências e vivências, independentes e não correlacionadas, que ao longo da vida nos vão formando. Exemplo: não me tornei conservador quando li “On Being Conservative” de Michael Oakeshott. Mas fiquei para sempre grudado a esse ensaio porque nele estava condensada grande parte da minha forma de pensar o mundo e a vida. É bom que se perceba – e julgo poder falar pela generalidade dos que nestas andanças andam – que o aparente seguidismo às ideias de fulano tal, a acidental bajulação à obra x ou a adesão canídea ao pensamento y, não é tanto uma consequência ou o sinal de um contrato de adesão tácito e de princípio, a cumprir incondicionalmente. É, acima de tudo, uma identificação a posteriori com ideias e posições que nos são próximas e com as quais já convivíamos há muito. Ou seja, eu não ando à procura de concordar com o JPC ou com o VPV para me sentir contente ou para que as minhas opiniões recebam um carimbo de “em conformidade”.

Dito isto, ou seja, pondo de parte esta gritante manifestação do meu ego, queria dizer o seguinte: o facto de defender a não dissolução do Parlamento e a não convocação de eleições antecipadas, não significa que esteja a seguir as linhas de “um Comité”. Não entendo que a defesa da nomeação de um novo primeiro-ministro sem recurso a eleições seja legítima e satisfatória só porque é “legal” ou “satisfaz preceitos constitucionais e teóricos”. Os “preceitos constitucionais” e a “ legalidade” interessam-me no sentido de confirmar se a solução que preconizo está prevista e a coberto de uma malha legal. Se o está, agrada-me pensar que o legislador tenha previsto casos em que a não dissolução do parlamento, por parte do PR, não colide necessariamente com «legitimidades políticas», fazendo parte do jogo da democracia representativa. Nada mais. As razões são outras, bem mais práticas, terrenas e, se quiserem, comezinhas.

Em primeiro lugar, existe uma maioria estável no parlamento da qual, há dois anos, emergiu um governo. Essa maioria mantém-se e foi, há dias, confirmada pelos presidentes e deputados dos dois partidos que a constituem. O governo que ainda está em funções, desenvolveu, na primeira metade desta legislatura (de quatro anos), o seu trabalho e a sua estratégia com base num programa. Esse programa, e o rumo nele preconizado, não nasceu, certamente, desgarrado dos partidos da maioria. Por muito que publiquem, agora, cartazes da campanha eleitoral com o nome de “Durão Barroso” em parangonas, o governo actual e o seu programa não foram obra de um homem só. O actual governo nasceu de dois partidos, com elementos ideológicos e de princípio distintos do anterior governo. A inflexão foi notória e as diferenças estiveram longe de ser apenas «de estilo» ou de liderança. Não foram obra e graça exclusiva do Sr. José Barroso. Colocaram-se de pé políticas que, para além de exigirem sacrifícios aos portugueses, significaram reformas (umas mais tímidas que outras) impensáveis caso o governo fosse de esquerda.

Face a tudo isto, coloco várias questões: qual é a solução que menos incertezas poderá produzir nos próximos dois anos, face à actual conjuntura? Qual a solução que pode, por muito diferente que seja o estilo, o modus operandi ou o cunho de um novo primeiro-ministro, pegar no rumo anteriormente traçado (de contenção da despesa, de reforma do sector público, de rigor orçamental, de liberalização dos mercados, etc.)? Qual a solução que, em principio, poderá provocar menor instabilidade (não digo “nenhuma”)? Qual a solução que poderá evitar o corte abrupto?

Não julgo que a dissolução do parlamento seja, nesta altura do campeonato, a solução mais apropriada. Com isto não quero dizer que tenha a razão do meu lado ou que outra solução seja impensável ou «perigosa». Não tenho medo de eleições (até porque, se não fosse um democrata, há muito que comprei um cão). Do ponto de vista democrático, o problema da convocação de eleições nem sequer se coloca: as eleições são o elemento chave do que significa viver em democracia. Mas é bom perceber que existem consequências. Perceber isso não é ter medo: é ser realista. Nesse sentido, eu digo (dentro dos limites das minha certezas): o cenário de eleições é, na actual conjuntura e timing, e perante as políticas entretanto preconizadas, o que acarreta maiores incertezas. Com eleições antecipadas poderá interromper-se, definitivamente, um trabalho que ficou a meio. Das eleições poderá sair um governo minoritário à esquerda ou à direita incapaz de, no parlamento, formar uma maioria parlamentar consistente e estável. O PS poderá ser forçado a coligar-se com o BE ou com o PC, cenário que, não me assustando, não vejo com bons olhos. Ao PSD poderá não ser suficiente a coligação com o CDS-PP. Ou seja, podemos passar de um impasse transitório e de eventuais reajustamentos pontuais, para um cenário de forte instabilidade política. Coligações estáveis e consistentes como a actual (ainda que com atritos pelo meio), são coisa rara.

É claro que estes argumentos nada valem à esquerda. Compreendo. A esquerda parte de um pressuposto: as políticas do actual governo não prestam. Quaisquer políticas «de direita» são piores que quaisquer políticas «de esquerda». Mais: para a esquerda, a mudança será sempre uma coisa apelativa, sobretudo se estiver no horizonte a possibilidade do exercício do poder. Mudar, romper, rasgar é, para a esquerda, sinónimo de «progresso». Compreendo, portanto, que me digam: “queremos novas eleições porque existe a probabilidade [que uns pensam ingenuamente «forte»] de daí sair um governo maioritário de esquerda”. Compreendo que me digam: “queremos eleições porque muita gente está insatisfeita e a «rua» dá sinais disso mesmo”.

Compreendo mas, se me permitem, isso não interessa. A esse argumento pode sempre responder-se com o contrário. Eu, por exemplo, penso que, em teoria, as políticas de um governo «de direita» ou de «centro direita» serão sempre melhores que as de um governo «de esquerda». Sobretudo em cenários de crise e de instabilidade.

Compreendo mas, com a devida vénia, não concordo. A dissolução de um parlamento não pode sustentar-se nos eventuais «ecos» de insatisfação popular emanados de umas eleições intercalares, de natureza e âmbito diferentes (coisa que se insiste em não perceber). Numa democracia representativa, a um governo deve ser dada a possibilidade de conduzir, dentro de um quadro de legalidade constitucional e dentro do prazo estipulado, as suas políticas para que, no fim, cada cidadão possa aferir dos seus resultados. Interromper uma legislatura a meio desresponsabiliza quem exercia o poder executivo. “Não nos deixaram acabar o trabalho”. “Interromperam o nosso programa”. “Não tivemos a possibilidade de provar que estávamos no caminho certo”.

Compreendo mas, lamento, não concordo. Um PR não tem que gerir a sua actuação em função de sondagens ou de acordo com os ecos da «rua». Os que na «rua» se manifestam não têm nenhuma procuração ou mandato para representar todos os portugueses. A «rua» das manifestações «espontâneas» não é a voz do povo. A «rua» dos comícios dos sindicatos não representa os portugueses. Mais: a verdadeira «rua» já foi auscultada há dois anos atrás. Ou seja, há muito pouco tempo.

Vivemos numa democracia representativa. Passados apenas dois anos, e à falta de uma «gravíssima crise de legitimidade democrática» (que só as indecisões e a tibieza do Dr. Sampaio parecem pressagiar), é ao parlamento que deve ser dada a faculdade de resolver a substituição de um primeiro-ministro e a indicação de um novo executivo, sem que, para isso, se tenha de interromper uma legislatura a meio. Essa é, para mim, a melhor solução. Sem medo.

PS: a postura do Dr. Jorge Sampaio começa a meter dó. Do que é que está à espera: de mais «sábios» a botar opinião? Para quê ouvir tanta gente: para ficar ainda mais baralhado? Para quê tanto tempo: para perpetuar uma situação que se agrava com o passar dos dias?

quarta-feira, julho 07, 2004

O QUÊ?
Difool, estás a brincar, não estás?
(este blogue encontra-se em estado de choque)

segunda-feira, julho 05, 2004

FEBRAS EM ÁGUEDA
O Difool: ”Macguffin, tira uns dias em Águeda. Gostas de febras?” Se gosto de febras?! E a Sharapova não ganhou em Wimbledon?


E PRONTO, PERDEMOS
(ou Mais Um Momento ‘Gabriel Alves’)
O maradona diz que “a Grécia ganhar o Campeaonato Europeu de Futebol é mais ou menos como o Prémio Nobel da Literatura ser atribuído a uma operadora de caixa do Pingo Doce pela excepcional qualidade dos talões de compras que faz sair do seu posto de venda.” Pois. Está bem, Diego, mas nós nem a Caixa conseguimos chegar. Ontem, ficámos por empregadas de limpeza – daquelas que são olhadas com desdém pelas operadoras de caixas, que operam maravilhas com talões.

“Ah, mas nós somos melhores do que eles.” Meus caros: ontem não fomos. De pouco valeu a finta impossível de Ronaldo, o passe mágico de Deco, a segurança e a mestria de Ricardo Carvalho, a fibra de Maniche. De nada vale, agora, relembrar as responsabilidades de Costinha e de Ricardo (duas falhas que não podem acontecer numa final do campeonato da Europa) no golo da Grécia. A equipa grega – repito: a equipa grega – foi melhor. Não se tratou, como já para aí ouvi dizer, da vitória do “anti-jogo”. Foi a vitória da consistência, do rigor táctico, das marcações irrepreensíveis. Os gregos não falharam. Nós falhámos. Ao contrário do que deu a entender Portugal, a Grécia voltou a entrar em campo com a lição bem estudada. Ao contrário de Scolari, O Sr. Otto ‘filho-da-p***’ Rehagell sabia muitíssimo bem com quem ia ter. A Grécia é a operadora de caixa do Pingo Doce? Ok. Mas já devíamos estar carecas de saber que, hoje em dia, até licenciados operam caixas nos supermercados.

COMENTANDO COMENTÁRIOS
Carlos Fernandes, a propósito do ‘post’ sobre o Michael Moore vs. Christopher Hitchens:

”Caro Carlos,
na ausência de comentários no Contra-a-Corrente, apenas por este meio posso manifestar o meu repúdio pelo último parágrafo do "seu" texto Moore, Michael. Não vou discutir as virtudes de um filme que não vi, nem o seu carácter, o qual, no entanto, não creio que seja facilmente inserido na categoria "documentário", como muitos pretendem fazer crer. Nisso estamos de acordo. Mas não posso aceitar que Christopher Hitchens, depois de debitar tantas palavras que atacam Moore e a sua putativa desonestidade, recorra ele próprio a argumentos desonestos ou, no mínimo, reveladores de uma imensa ignorância histórica e geográfica. Não vou alongar-me sobre a situação sérvia, a tal nação esfomeada. Mas seria interessante falar um pouco sobre as negociações entre americanos e Milosevic, antes dos ataques de 1999. Também não quero, porque o tempo é curto, questionar a "limpeza" da Bósnia. Porque, se ela existiu, a responsabilidade não pode ser sacudida dos ombros daqueles que rejeitaram o plano Cutileiro. Mas usar a palavra anexar, quando se refere ao Kosovo, revela uma ignorância (ou má-fé) intolerável (em relação à Bósnia pode-se aceitar; mas, de qualquer forma, seria prudente debater questões como a autodeterminação dos povos e o Direito Internacional antes de falar em anexação). Nem sequer é, apenas, um argumento falacioso. As palavras de Hitchens revelam falta de rigor histórico, e um profundo desconhecimento da organização política da Jugoslávia (o Kosovo e, por exemplo, a Bósnia, não tinham a mesma natureza administrativa e política, dentro da federação). Ou então - hipótese mais grave - o autor aproveita-se da ignorância dos leitores para tentar difundir a sua mensagem. E nada melhor do que uma palavra forte como "anexação" para os convencer da eficácia de uma política em que acredita (claro que "starved" também não fica mal). Inaceitável.”


Como vê, Carlos, o Contra-a-Corrente não tem um sistema de comentários mas nunca deixou de publicar os que considerou válidos, honestos, «construtivos», «destrutivos» mas com pinta, etc. - em oposto a insultos gratuitos, «bocas» e derivados. Os critérios, esses continuarão a ser da minha lavra.

Em relação ao seu comentário, não percebo a sua indignação, nem, sequer, a ferocidade da sua crítica relativamente às palavras de Hitchens. Em primeiro lugar, Hitchens não pôs em causa (eu que o leio há bastante tempo) qualquer «rigor histórico», nem sequer menosprezou a importância histórica do Kosovo no imaginário sérvio. Utilizou uma expressão (“anexação”) que pode, eventualmente, suscitar interpretações de ordem diversa. Daí a concluir que ele cometeu crime de «lesa pátria» vai uma enorme distância.

É certo, e sabido, que os sérvios sempre observaram o Kosovo como a mística área central do seu grande estado medieval. Os mosteiros sérvios bizantinos e os seus frescos estão lá para quem os quiser ver. Mas as coisas são o que são, e se a história recente não deve substituir ou apagar a antiga, não pode, por outro lado, ser escamoteada. É bom não esquecer que, após a constituição jugoslava de 1974 (com Tito), o Kosovo tornou-se uma província autónoma (terá sido por mero capricho de Tito?), com uma administração largamente albanesa (é certo que com um estatuto diferente de outras províncias). Em 1981 foi, aliás, tentada uma revolta no sentido de se alcançar um estatuto de república plena, embora sem resultados. Ou seja, o Kosovo está longe de ser uma mera região de uma grande sérvia - sem «história», sem clivagens, sem conteúdo étnico evolutivo. Na vigência dessa autonomia, os sérvios foram, com o tempo, abandonando a região (por motivos diversos, incluindo a descriminação e a violência), ao ponto de passarem a representar uma pequeníssima minoria. Isso, obviamente, tem o seu peso.

Milosevic fez questão de incendiar a região quando, em 1987, visitando o Kosovo, acicatou o sentimento nacionalista sérvio – um gesto, aliás, apoiado por políticos de outras nacionalidades, como foi o caso do croata Tudjman. Foi Milosevic quem retirou, unilateralmente, autonomia ao Kosovo e o colocou sob administração sérvia directa, abrindo caminho à revolta albanesa, pontuada pela auto-proclamação da denominada República Kosova (como eles escrevem), de Ibrahim Rugova. O que a seguir se seguiu já toda a gente sabe. Não vale a pena referir aqui a natureza abjecta das engenharias sociais e étnicas levadas a cabo pelos operacionais de Milosevic. Até porque, diga-se, o que parece ter «irritado» Carlos Fernandes foi o uso do termo "anexar" aplicado a uma região que, segundo ele, nunca poderia ter sido alvo de "anexação", uma vez que, supostamente, ela nunca foi "desanexada".

POr tudo isto, a reacção de Carlos Fernandes ao uso do termo “anexação” é completamente exagerada. No fundo, estamos apenas na presença de uma questão semântica. Não? Então deixem-me colocar a seguinte questão: se “anexação” é um termo descabido e contrário ao «rigor» histórico, o que será a ideia de fazer crer que no Kosovo nada se passava de extraordinário, no que à autonomia administrativa (por muito diferente que esta fosse de outras províncias) e à composição demográfica dizia respeito?

sexta-feira, julho 02, 2004

MOORE, MICHAEL
Há dias, o Pedro Mexia perguntava-me, num jeito que presumia recomendação, se eu tinha lido o artigo de Christopher Hitchens sobre o filme de Michael Moore (Fahrenheit 9/11), publicado na Slate. Confessei, evergonhado, que ainda não tinha tido oportunidade para o fazer. Contudo, vindo, agora, do Pedro, depois de já ter vindo doutro amigo, apercebi-me que cometia ilícito grave. Ontem, finalmente, apressei-me a ler o artigo (um longo artigo, diga-se). Apraz-me concluir o seguinte: Christopher Hitchens pregou um sovão ao Sr. Moore, do qual ele jamais se esquecerá (em boa verdade, não será bem assim: é bastante provável que a inteligência e o poder de encaixe de Moore o impeça de perceber as críticas a si endereçadas).

Para além de conter passagens memoráveis e de antologia (Hitchens escreve primorosamente), o artigo coloca literalmente a nu a apetência de Moore pela mentira, pela hipocrisia, pela deturpação dos factos e pela forma parcial e enviesado como aborda certas questões, revertendo-as a seu favor independentemente da verdade, da objectividade e das evidências. Para além, é claro, do mau gosto revelado quando expõe as pessoas nos seus momentos mais privados – sejam de lazer ou de sofrimento.

O artigo de Hitchens vem provar, à saciedade, a natureza maniqueísta, paranóica e obsessiva de Michael Moore. Resta acrescentar que o facto do seu «documentário» ter ganho a Palma de Ouro, em Cannes, diz muito do estado de absoluta cretinice em que o mundo se encontra.

Eis alguns excertos:

“To describe this film as dishonest and demagogic would almost be to promote those terms to the level of respectability. To describe this film as a piece of crap would be to run the risk of a discourse that would never again rise above the excremental.”

“A film that bases itself on a big lie and a big misrepresentation can only sustain itself by a dizzying succession of smaller falsehoods, beefed up by wilder and (if possible) yet more-contradictory claims.”

“We are introduced to Iraq, "a sovereign nation." (In fact, Iraq's "sovereignty" was heavily qualified by international sanctions, however questionable, which reflected its noncompliance with important U.N. resolutions.) In this peaceable kingdom, according to Moore's flabbergasting choice of film shots, children are flying little kites, shoppers are smiling in the sunshine, and the gentle rhythms of life are undisturbed. Then—wham! From the night sky come the terror weapons of American imperialism. Watching the clips Moore uses, and recalling them well, I can recognize various Saddam palaces and military and police centers getting the treatment. But these sites are not identified as such. In fact, I don't think Al Jazeera would, on a bad day, have transmitted anything so utterly propagandistic. You would also be led to think that the term "civilian casualty" had not even been in the Iraqi vocabulary until March 2003. I remember asking Moore at Telluride if he was or was not a pacifist. He would not give a straight answer then, and he doesn't now, either. I'll just say that the "insurgent" side is presented in this film as justifiably outraged, whereas the 30-year record of Baathist war crimes and repression and aggression is not mentioned once.”


”That this—his pro-American moment—was the worst Moore could possibly say of Saddam's depravity is further suggested by some astonishing falsifications. Moore asserts that Iraq under Saddam had never attacked or killed or even threatened (his words) any American. I never quite know whether Moore is as ignorant as he looks, or even if that would be humanly possible. Baghdad was for years the official, undisguised home address of Abu Nidal, then the most-wanted gangster in the world, who had been sentenced to death even by the PLO and had blown up airports in Vienna* and Rome. Baghdad was the safe house for the man whose "operation" murdered Leon Klinghoffer. Saddam boasted publicly of his financial sponsorship of suicide bombers in Israel. (Quite a few Americans of all denominations walk the streets of Jerusalem.) In 1991, a large number of Western hostages were taken by the hideous Iraqi invasion of Kuwait and held in terrible conditions for a long time. After that same invasion was repelled—Saddam having killed quite a few Americans and Egyptians and Syrians and Brits in the meantime and having threatened to kill many more—the Iraqi secret police were caught trying to murder former President Bush during his visit to Kuwait. Never mind whether his son should take that personally. (Though why should he not?) Should you and I not resent any foreign dictatorship that attempts to kill one of our retired chief executives? (President Clinton certainly took it that way: He ordered the destruction by cruise missiles of the Baathist "security" headquarters.) Iraqi forces fired, every day, for 10 years, on the aircraft that patrolled the no-fly zones and staved off further genocide in the north and south of the country. In 1993, a certain Mr. Yasin helped mix the chemicals for the bomb at the World Trade Center and then skipped to Iraq, where he remained a guest of the state until the overthrow of Saddam. In 2001, Saddam's regime was the only one in the region that openly celebrated the attacks on New York and Washington and described them as just the beginning of a larger revenge. Its official media regularly spewed out a stream of anti-Semitic incitement. I think one might describe that as "threatening," even if one was narrow enough to think that anti-Semitism only menaces Jews. And it was after, and not before, the 9/11 attacks that Abu Mussab al-Zarqawi moved from Afghanistan to Baghdad and began to plan his now very open and lethal design for a holy and ethnic civil war. On Dec. 1, 2003, the New York Times reported—and the David Kay report had established—that Saddam had been secretly negotiating with the "Dear Leader" Kim Jong-il in a series of secret meetings in Syria, as late as the spring of 2003, to buy a North Korean missile system, and missile-production system, right off the shelf. (This attempt was not uncovered until after the fall of Baghdad, the coalition's presence having meanwhile put an end to the negotiations.)”

“Moore has announced that he won't even appear on TV shows where he might face hostile questioning. I notice from the New York Times of June 20 that he has pompously established a rapid response team, and a fact-checking staff, and some tough lawyers, to bulwark himself against attack. He'll sue, Moore says, if anyone insults him or his pet. Some right-wing hack groups, I gather, are planning to bring pressure on their local movie theaters to drop the film. How dumb or thuggish do you have to be in order to counter one form of stupidity and cowardice with another? By all means go and see this terrible film, and take your friends, and if the fools in the audience strike up one cry, in favor of surrender or defeat, feel free to join in the conversation.
However, I think we can agree that the film is so flat-out phony that "fact-checking" is beside the point. And as for the scary lawyers—get a life, or maybe see me in court. But I offer this, to Moore and to his rapid response rabble. Any time, Michael my boy. Let's redo Telluride. Any show. Any place. Any platform. Let's see what you're made of.”

Perhaps vaguely aware that his movie so completely lacks gravitas, Moore concludes with a sonorous reading of some words from George Orwell. The words are taken from 1984 and consist of a third-person analysis of a hypothetical, endless, and contrived war between three superpowers. The clear intention, as clumsily excerpted like this (...) is to suggest that there is no moral distinction between the United States, the Taliban, and the Baath Party and that the war against jihad is about nothing. If Moore had studied a bit more, or at all, he could have read Orwell really saying, and in his own voice, the following:
The majority of pacifists either belong to obscure religious sects or are simply humanitarians who object to taking life and prefer not to follow their thoughts beyond that point. But there is a minority of intellectual pacifists, whose real though unacknowledged motive appears to be hatred of western democracy and admiration for totalitarianism. Pacifist propaganda usually boils down to saying that one side is as bad as the other, but if one looks closely at the writing of the younger intellectual pacifists, one finds that they do not by any means express impartial disapproval but are directed almost entirely against Britain and the United States …
And that's just from Orwell's Notes on Nationalism in May 1945. A short word of advice: In general, it's highly unwise to quote Orwell if you are already way out of your depth on the question of moral equivalence. It's also incautious to remind people of Orwell if you are engaged in a sophomoric celluloid rewriting of recent history.
If Michael Moore had had his way, Slobodan Milosevic would still be the big man in a starved and tyrannical Serbia. Bosnia and Kosovo would have been cleansed and annexed. If Michael Moore had been listened to, Afghanistan would still be under Taliban rule, and Kuwait would have remained part of Iraq. And Iraq itself would still be the personal property of a psychopathic crime family, bargaining covertly with the slave state of North Korea for WMD. You might hope that a retrospective awareness of this kind would induce a little modesty. To the contrary, it is employed to pump air into one of the great sagging blimps of our sorry, mediocre, celeb-rotten culture. Rock the vote, indeed.”

quinta-feira, julho 01, 2004

LISTEN CAREFULLY: I SHALL SAY THIS ONLY ONCE
Amanhã, no Independente. Livro: Segunda Opinião. Ensaios de História. O seu autor: Rui Ramos. Need I say more?
DIA D
Domingo será dia D: de Desforra. Penso eu...
O MEU CLUBE
O Serras lembra, e muito bem, a efeméride: o Sporting Clube de Portugal faz hoje 98 anos.

VIVÓ SPORTING!!!!!!

DIÁLOGOS
No São Luiz:

(dois amigos observando alguém que havia entrado de fato e gravata)
- Aquele tipo tem cara de ser um blogger.
- Qual?
- Aquele, de fato e gravata com um capacete na mão.
- Achas?
- Tenho quase a certeza.
- Mas porquê?
- Eh pá, tenho um feeling.
- Ah, então deve ser.

CALMA. MUITA CALMA.
(actualizado)
Meti-me com o «mundo da bola» e recebo duas admoestações no espaço de uma hora. Uma do John Difool:

”Porra, Mac, o "Figo: safou-se"? O Figo fez um jogo "absurdo", pá. Três arrancadas do meio campo até à linha de fundo na primeira parte que teriam acabado com qualquer veterano antes dos trinta minutos, uma jogada magistral que levou a bola ao poste, poucos passes falhadas, poucas bolas perdidas e, acima de tudo, a garra de um gajo que, aos 32 anos, com uma carreira brilhante, nome de fundação, muitos milhões e uma loira na cama, parece que ainda tem tudo para provar. Cascar no Figo é moda desde o Mundial de 2002, mas o gajo continua a ser, de longe, o nosso melhor jogador. E não falo só do jogo de ontem. O Figo tem sido, a par do Ricardo Carvalho, o jogador mais regular (até no jogo contra a Grécia jogou bem).”

outra de Jorge Bento:

”Eu de futebol também percebo pouco, mas olhe que o Figo ontem “safou-se” muito bem , pois foi considerado o melhor em campo pela UEFA , pelo que jogou, fez jogar, rematou etc.
PS: Para mim a grande final foi contra a Inglaterra , pela emoção e incerteza até ao fim. Os jogos de ontem e de domingo é só para preencher calendário. A Taça é nossa.


Ambas pelo mesmo motivo: o facto de ter escrito “O Figo safou-se”.

Sim, o Figo safou-se. Com isto não quis desvalorizar ou menosprezar o seu papel no jogo de ontem. “O Figo safou-se” não foi a forma por mim encontrada para nele «cascar», como parece ser agora moda em certos meios. Figo fez, ontem, um bom jogo. Ok, vá lá, um muito bom jogo. Mas se tivesse de eleger o melhor jogador em campo, elegeria outro(s). E o facto de ter sido eleito oficialmente o homem do jogo, em nada influência a minha posição.

Figo foi e é um grande jogador. Adquiriu, perante a «tribo do futebol» – o povo, alguns intelectuais, os plumitivos do meio e um poeta - um estatuto único. Em abono da verdade, por mérito próprio. Figo não foi um "bom jogador" fabricado pela imprensa ou pelo star system (como é o caso de Beckham). O seu trabalho, a sua garra e o seu génio fizeram-se notar inequívoca e objectivamente. À flor da sua pele. Na minha memória está a sua carreira no Barça e os dois primeiros anos no Real. Digo-o sem margem para quaisquer dúvidas: Figo foi, durante anos, um dos melhores jogadores do mundo.

Mas Figo já não é o que era. O que é perfeitamente natural, normal, etc. É a PDI. É a «ordem natural da vida». Os anos pesam e, em excelentes jogadores, ainda pesam mais. Apesar de continuar a ser um «incontornável», temos assistido a um Figo que tem tentado, acima de tudo, adaptar-se à sua actual forma. O seu estilo e o seu modus operandi mudaram. Figo sabe que tem, hoje em dia, contra si, vários handicaps. Continua a ser um jogador seguro. Continua a ser um jogador difícil de desarmar. Continua a ter uma boa «visão de jogo». Mas basta reparar no número de pseudo-faltas por ele reclamadas ou na forma como ele não arrisca o drible, a finta e a corrida, para perceber que ele já se encosta a certo tipo de subterfúgios e evasivas. Já para não falar nos remates frouxos e nas assistências falhadas. Tirando o jogo de ontem, foram raros os momentos em que Figo, neste campeonato, driblou e fintou em clara vantagem ou com aquela iminência de perigo que o caracterizavam.

Para que não haja dúvidas, repito: Figo continua a ser um excelente jogador e, ontem, esforçou-se para o demonstrar. Talvez picado por ter sido chamado à pedra pela birrinha no jogo anterior, Figo excedeu-se no jogo de ontem. Mas este pontual descomedimento demonstra tudo o que disse: foi uma excepção. O Figo “Euro 2004” esteve uns furos abaixo do Figo de outros tempos. Há que compreender e aceitar isso. Nessa medida, eu digo: ontem Figo safou-se ("muito bem", se quiserem). Foi o seu melhor jogo, neste campeonato. Mas Figo é um jogador que já está a gerir a sua própria decadência. Isso, meus amigos, nota-se à distância. De um sofá a um televisor.
EU, QUE NÃO PERCEBO MUITO DE FUTEBOL
(actualizado)
Devia estar calado. Pois devia. Mas, como terão reparado, deixei de perceber “nada” para perceber “alguma coisa”, que não “muito”. O sentido evolucionista do meu intelecto, no que «à bola» diz respeito, deve-se, em parte, a uma conversa que tive, há dias, com este senhor (que fica, agora, a dever-me um mais que justo link). Exemplo: eu pensava que o Cristiano Ronaldo e o Deco tinham sido sofríveis no jogo contra a Inglaterra. Pois parece que não. As movimentações e o trabalhinho que deram aos defesas e centrais ingleses foram preponderantes, apesar de ambos não terem feito um jogo “vistoso”. Em relação ao jogo de ontem, queria dizer o seguinte:

- Golos. O golo de Maniche é um “hino ao futebol” (que tal para cliché?);
- Ricardo Carvalho, Nuno Valente, Costinha, Deco: impecáveis, fundamentais, fundamentais, impecáveis;
- Figo: safou-se, ontem.(*)
- Cristiano Ronaldo: apesar de enlear, de vez em quando, as suas próprias pernas, cumpriu;
- Pauleta: não faço comentários, para não ofender o bom povo dos Açores;
- Jorge Andrade: ainda assim, um grande golo. Pena o penteado;
- Fernando Couto: apesar dele, ganhámos;
- Ricardo: Vitor Ba-quê?
- Scolari: continuo a achar que há, nas suas «tácticas», uma dose de acaso e casualidade que me impedem de o colocar nos píncaros;
- Vitória: justíssima.

Agora? Como diz o outro “o céu é o limite”.

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