O MacGuffin: O ÚNICO GAJO QUE O PODIA EXPLICAR ACABOU DE MORRER

segunda-feira, outubro 11, 2004

O ÚNICO GAJO QUE O PODIA EXPLICAR ACABOU DE MORRER

Falo, obviamente, de Derrida. Mas explicar o quê, perguntarão os mais ansiosos. Quereis saber? Aqui vai: a problemática da «primeira vez» na vida deste vosso criado.

Há mais de trinta anos que lido com esse anátema, com essa espécie de estigma que ciclicamente me assola e invariavelmente me empurra na direcção de Heraclito, mas sem resultados práticos (o devir não me é, de todo, satisfatório). O meu problema com a «primeira vez» está para a minha vida como as cuecas ‘fio dental’ do Castelo Branco estão para a televisão: não há explicação (agora, sem Derrida, irremediavelmente).

Nas horas que costumam preceder qualquer «primeira vez» (a primeira vez que conheço alguém, o primeiro jogo de um qualquer torneio de ténis, a primeira vez numa relação amorosa, a primeira vez que me dirijo a uma plateia, etc.), costumo olhar-me no espelho e acreditar-me confiante, descontraído, calmo mas determinado, contemplativo mas despreocupado. Por vezes, chego a falar comigo mesmo: “MacGuffin, meu caro, deixa-te de merdas. Lembra-te do que aprendeste com o Dale Carnegie, o Richard Bach e o Paulo Coelho”. Sempre que se proporciona, emborco o acidental gin tónico ao som do inevitável Chopin. Depois, parto. Parto esperançado que nem um Lleyton Hewitt, convencido que nem Schumacher, alegre que nem um Ronaldinho Gaúcho. O problema é que saio de lá vilipendiado que nem um João Cunha e Silva, aborrecido que nem um Lamy, acabrunhado que nem um Pinilha. E nem me atrevo a falar no durante até ao calvário final - período no qual as palavras se enleiam nas cordas vocais, a timidez não permite que uma única tirada veja a luz do dia, as perguntas acabam retidas para averiguações, por tempo obviamente indeterminado. E, last but not least, tudo isto com um sorriso de desespero estampado numa fácies já meio esverdeada de tanto transtorno. Sim, caríssimos leitores e amigos: um espectáculo indigno de se ver.

Há anos que sonho com uma experiência à Phil Connors/Bill Murray, ou seja, com a possibilidade de passar por uma «primeira vez» faz-de-conta, uma espécie de «volta de aquecimento», na qual eu ficaria a conhecer os meus interlocutores, o sítio e as condições climáticas, as minhas reacções a certas observações e olhares, i.e., todas as variáveis exógenas e endógenas que me permitissem, uma vez estudadas, voltar à normalidade, descer à terra, levar o mais do que justificado murro nas trombas, por via das dúvidas. Então sim: partiria como na realidade sou para a minha «segunda vez» («primeira vez» do ponto de vista dos outros desgraçados).

E o que me lixa é que, desta vez, eu nem sequer arranjei forças para explicar porque carga de água disse o que disse, ou seja, que o Casino é superior ao Goodfellas, para grande espanto (nalguns casos indignação) dos ilustres convivas e companheiros conspiradores. ‘Da-se!

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