O MacGuffin

terça-feira, agosto 31, 2004

NÃO, SIM, NÃO E SIM
(corrigido)
1. Rui Silva (grande companheiro cinéfilo eu arranjei!), escreve, a propósito do meu post: [No "Lifeboat"] não concordo com o significado "metafisico" que o MacGuffin dá ao personagem do comandante alemão e ao seu comportamento” e “Estamos a falar de um filme de propaganda não estamos a falar de nenhum tratado de filosofia politica!”
Não se trata de “significado metafísico” ou de um “tratado de filosofia política”: trata-se, tal como eu escrevi, de uma “parábola politico-filosófica” que nos remete para questões bem mais sérias. O nazismo - como, aliás, a maior parte dos totalitarismos com origem na tirania das ideias (conduzido por ‘filotiranos’, como lhes chamou Mark Lilla) - alimentou-se, de inicio, desse logro que foi convencer as massas da superioridade “nas artes do mar” para, assim, liderar e conquistar. Como referi, o filme (Lifeboat) teve, e ainda tem, imensas leituras. A que eu apresentei é uma delas. Perfeitamente legítima e justificada. Acho insuficiente tratá-lo como um simples filme de «propaganda».

2. Não me parece que as personagens, em Lifeboat, sejam meros estereótipos, como se se tratassem de caricaturas de espécies humanas. São, todos eles, figuras que apresentam falhas de carácter, contradições, capazes do bom e do pior. Nesse aspecto, Hitchcock, como era seu atributo, não poupa ninguém. Estão ali, naquele barco, várias personagens que compõem, cada um à sua maneira, as pífias misérias humanas mas, também, o que alma do homem pode ter de maior.

3. Diz o Rui, depois, que ”Para o MacGuffin [uma boa história] parece ser uma história que fale de temas "importantes"”. Nonsense! Não é nada disso. Uma história bem contada em cinema pode versar sobre temas perfeitamente comezinhos, de importância filosófica ou metafísica quase nula, e resultar num grande e inspirado momento de cinema (The Royal Tenenbaums, por exemplo). Um filme pode partir de uma fonte «defeituosa» e, ainda assim, resultar. Há, inclusivamente, exemplos clássicos de filmes maiores baseados em histórias/livros menores: o To Have And Have Not, de Howard Hawks, adapta um romance medíocre de Hemingway. E o contrário também se verifica: grandes livros/histórias adaptadas de forma miserável (compare-se o Lolita do Kubrick com o Lolita do Adriam Lyne). Existem filmes de cariz político que serviram somente para contar uma grande história de amor, plots que foram lançados para o ar mas que se revelaram irrelevantes para o core business do filme (os MacGuffin de Hitchcock: o plutónio emm Notorious, os microfilmes em North By Northwest, a cleptomania em Marnie, etc.). E vice-versa: filmes sobre questões «simples», histórias supostamente «encerradas» logo à partida, que nos conduzem a parábolas sobre política, sobre a condição humana, sobre a ética e a moral, sobre a vida, etc. (boa parte dos filmes de Jacques Tati e de Woody Allen enquadram-se nesta categoria; o M de Fritz Lang; The Elephant Man de Lynch, etc. etc.).

4. Um par de amigos, cuja palpitação homossexual é latente, decidem orquestrar e perpetrar o assassínio de um amigo e colega sob os narizes dos seus familiares, pelo simples facto de sentirem que são intelectualmente superiores à ralé (os outros) e porque tal acto causa neles uma imensa excitação; um professor que, sentindo que tinha servido perversamente de fonte de inspiração, tenta desmontar a trama; poderão estas três personagens ser consideradas «superficiais» ou «desinteressantes» num filme? À partida, não creio. Muito depende da forma como se conta a história. Nesse aspecto, Hitchcock sempre soube o que fazia. Rope é, sob todos os aspectos, um grande filme.

5. Qualquer pretexto para publicar imagens de Notorious é um bom pretexto.


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