O MacGuffin

quinta-feira, agosto 19, 2004

CARO PEDRO: LESTE, AO MENOS, OS LIVROS?
No Barnabé, Pedro Oliveira escreve sobre o putativo “caso Benny Morris”. Afirma, peremptório, que, aquando da edição oiriginal de The Birth of the Palestinian Refugee Problem (1987), Morris demonstrou que ”o êxodo palestiniano resultara afinal de uma gigantesca operação de “limpeza étnica”, planeada e executada de forma sistemática pelas forças armadas israelitas” e que, em resultado disso, o homem foi «escorraçado» pelo establishment académico israelita. Afirma, depois, que tudo mudou com a nova versão da obra (The Birth Of The Palestinian Refugee Problem Revisited, Cambridge, 2004), mais concretamente que “ao realizar novas pesquisas para uma edição revista do seu livro, [Morris] descobriu novos indícios de atrocidades cometidas contra os palestinianos em 1947-49, mas, para espanto de muitos, alterou por completo o sentido das suas conclusões ao declarar que as autoridades israelitas fizeram mal em não terem levado até ao fim a expulsão em massa dos árabes - afinal de contas a única maneira realista de resolver um conflito intratável. Em suma, Morris transformou-se num apologeta da “limpeza étnica”, alegadamente por não vislumbrar entre os responsáveis palestinianos uma aceitação inequívoca do direito de Israel à existência.”

Tão exagerada, definitiva e biased é uma como outra afirmação. O que me leva a concluir que Pedro Oliveira ainda não leu, ou leu na diagonal, os livros de Morris. Sobre o assunto e o livro, recordo o que escrevi em Abril deste ano:

“A obra de Benny Morris arruma-se, em minha opinião, na prateleira dos estudiosos que tentaram observar o conflito de forma fria, distanciada e imparcial. Um sinal claro foi o facto de, aquando da sua primeira versão, The Birth of the Palestinian Refugee Problem ter sido apontado pela OLP como pura «propaganda sionista», ao mesmo tempo que, do lado dos israelitas, o autor era apontado como um «apoiante da OLP». A tese, para muitos ambígua, que Morris constrói ao longo das mais de seiscentas páginas dedicadas ao problema dos refugiados palestinianos, confirma aquilo que eu sempre pensei sobre o assunto: o problema dos refugiados não teve uma única causa, nem um único culpado.

Sobre a «culpa», lembro o que afirmava Edward Said em 2000, numa entrevista ao jornal Há’aretz: “A guerra de 1948 foi uma guerra de expropriação. O que aconteceu em 1948 não foi mais do que a destruição da sociedade palestiniana, a sua substituição por outra e a expulsão dos que eram indesejados. Ou seja, aqueles que estavam no caminho. É difícil para mim afirmar que a responsabilidades esteja toda apenas de um lado. Mas a grande fatia de responsabilidade pelo despovoamento e consequente destruição das cidades cabe em definitivo aos judeus-sionistas. Os palestinianos foram apenas culpados por estarem lá.” E lembro o que dizia Noam Chomsky em 2002, numa palestra em Harvard: “Durante a guerra, entre 1947 e 1948 os israelitas iniciaram um trabalho de limpeza étnica. (…) Benny Morris demonstrou que a população árabe foi conduzida a sair pelos israelitas.” O que é interessante na obra de Morris é o facto de ele ter recusado esta visão monolítica e comprometida do problema (de Said e Chomsky), com culpados de um lado, e vitimas do outro. Ao contrário do que o idiota do Chomsky afirma (e desculpem se ofendo alguém), Morris não demonstrou nada disso. O livro desmistifica, desde logo, a ideia de que os judeus, a partir de 1947, encetaram a expulsão sistemática e sumária dos palestinianos, criando automática e exclusivamente o problema dos refugiados. As coisas não se passaram assim, de forma tão simples. Sabemos, em primeiro lugar, que a abordagem agressiva e belicista dos árabes, face a Israel, ajudou à criação do problema dos refugiados via guerra. Quem quis a guerra foram os árabes, não Israel. Se há coisa que Morris demonstra (ele que é um historiador da velha guarda, que acredita mais no poder dos documentos do que no poder das palavras de quem, cinquenta e tal anos depois, aceita testemunhar) é esta: o êxodo palestiniano não se deveu a uma estratégia ou a um masterplan sionista. As causas variaram no espaço e no tempo, ligadas a uma multiplicidade de factores sociais, económicos e militares. Na maior parte dos casos, não houve coerção nem foram emanadas ordens directas nesse sentido, por parte dos responsáveis israelitas. Parte do êxodo é explicado pelo natural receio da guerra, que levou a população civil a afastar-se da linha de combate. E há que reconhecer, de uma vez por todas, que a falta de consistência e de coesão «nacionais» por parte dos lideres árabes (para já não falar no posterior e ainda hoje presente desprezo, deste lideres, em relação aos refugiados), aliada a uma total falta de entreajuda e de solidariedade para com as populações civis que decidiram deslocar-se para as zonas sob controlo árabe, pesaram muito no problema dos refugiados.

Por outro lado, o livro de Morris não poupa o comportamento israelita, com as insinuações e as supostas provas de que, nalguns casos, houve uma política pró-“transferência” (se necessária compulsiva) da população palestiniana e que, por arrastamento, foram cometidos excessos por parte dos militares e das suas cadeias de comando. Mas Morris é perfeito em acentuar o tal carácter «ambíguo» da sua obra, afirmando, também, que os árabes foram useiros e vezeiros em cometer brutalidades gratuitas, como as relatadas durante a conquista de Kfar Etzion por parte dos árabes, em que 120 judeus civis foram massacrados após se terem entregue pacificamente. Quanto à estratégia árabe, escreve Morris: “In some areas Arab commanders ordered the villagers [palestinians] to evacuate to clear the ground for military purposes or to prevent surrender. More than half a dozen villages were abandoned during these months as a result of such orders. Elsewhere, in East Jerusalem and in many villages around the country, the [Arab] commanders order women, old people, and children to be sent away to be out of harm’s way. Indeed, psychological preparation for the removal of dependents from the battlefield had begun in 1946-1947, when the AHC and the Arab League had periodically endorsed such a move when contemplating the future war in Palestine.” Chamem-lhe «ambiguo» ou pró-qualquer-coisa. Na minha opinião, o livro de Morris é muito interessante e representa uma importante contribuição para a compreensão do problema dos refugiados.”



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