O MacGuffin

segunda-feira, junho 07, 2004

REFLEXÃO PEDIDA
(versão corrigida)
Carlos Zorrinho, dirigente do Partido Socialista, em crónica publicado hoje, no Diário do Sul (Évora), afirma:

”Entre a competência de uma juíza discreta e a arrogância de um juiz mediático, houve a distância de uma acusação falsa que se desmoronou! Aos que se indignaram quando neste espaço exigi justiça, apenas peço reflexão.”

Não fui dos que se “indignou” com o anterior “pedido de justiça” de Carlos Zorrinho. Aliás, nunca houve, da parte de Carlos Zorrinho, qualquer pedido de "justiça". Pelo menos um pedido sincero e puro para que se fizesse justiça. Carlos Zorrinho pediu uma coisa bem diferente: a absolvição de Paulo Pedroso como condição sine qua non para a prossecução da justiça. Tudo feito com base numa «profunda convicção» que advinha, sobretudo, de prováveis, e louváveis, laços de amizade que o uniam a Paulo Pedroso (sentimento, aliás, compreensível do ponto de vista humano) e, por outro lado, de uma tentativa de defender o seu partido que, por força das circunstâncias e da sua própria conduta, saía beliscado de toda a questão. Fui um dos que o criticou, na altura, precisamente pela forma e pelo tom com que insinuou que a “justiça” só seria feita com a absolvição do seu companheiro de partido. Carlos Zorrinho podia tê-lo pensado e dito em privado, mas dizê-lo e exigi-lo em público era coisa bem diferente. E a diferença estava em sujeitar o sistema judicial e a credibilidade dos magistrados ao resultado de um decisão judicial.

Lamento, agora, uma vez mais, que Carlos Zorrinho – o qual, repito, é um alto dirigente do Partido Socialista e um opinion maker experiente – volte à baila com acusações gratuitas e deselegantes relativamente ao desempenho e ao carácter de um juiz de direito, dando a entender que Paulo Pedroso foi vitima da “arrogância” de um magistrado que, para além de “mediático”, acusou falsamente um outro cidadão, agora salvo às mãos de uma juíza «boazinha» e, valho-nos isso!, discreta. Considero a insinuação inaceitável do ponto de vista deontológico e político.

É bom lembrar a Carlos Zorrinho alguns factos. Não foi o juiz Rui Teixeira que acusou Paulo Pedroso. Foi o Ministério Público que, após aturada investigação, achou que tinha reunido provas suficientes que indiciavam Paulo Pedroso em práticas pedófilas. Apresentadas as provas ao Dr. Rui Teixeira, considerou este haver ali fundamento para que Paulo Pedroso fosse arguido num processo, dando luz verde para que a máquina da justiça apurasse a verdade (no limite comfirmando, condenando, ou dissipando a acusação, absolvendo). Processo esse que, como se sabe, obedece a uma série de etapas e trâmites.

Lembro, também, que a decisão do Dr. Rui Teixeira foi corroborada mais do que uma vez pela Relação. Seriam todos, então, «arrogantes»e «mediáticos»?

Lembro, ainda, que em Direito, a interpretação dos factos não é estática, exclusiva ou invariável. A apreciação das mesmas provas por juízes diferentes pode resultar em decisões aparentemente contraditórias. E que isso é mesmo assim, ou seja, é normal, comum e, provavelmente, desejável, não se podendo daí retirar a ilação de que uns agem de má-fé, teimosa ou arrogantemente, enquanto que outros detêm o dom da mais pura objectividade no caminho para a verdade. Repare-se, por exemplo, no seguinte: a juíza Ana Teixeira e Silva ignorou, na fase de instrução, as cassetes de vídeo onde Paulo Pedroso surgia sem o aparelho nos dentes, à época em que a defesa afirmava que o aparelho era uma marca distinta em Paulo Pedroso (segundo a defesa, um aparelho que ele "nunca largava"), logo não passível de ser ignorado pelas alegadas vitimas. Pelo contrário, o juiz Rui Teixeira achou por bem considerar essa prova. Serve este exemplo para reforçar a ideia de que, nas várias etapas de um processo judicial (especialmente na fase da instrução), há lugar a uma latitude interpretativa de factos, argumentos e contra-argumentos, não sendo isso sinónimo, repito, de má justiça. Mais: nada indica que, caso Rui Teixiera fosse agora o juiz (na fase da instrução), ele não decidisse de forma idêntica à colega. Muita coisa correu desde então.

Carlos Zorrinho acusa, ainda, Rui Teixeira de «mediatismo». Mas qual «mediatismo»? Duas ou três aparições fugazes, todas elas fruto de perseguições à vida privada do juiz, levadas a cabo por jornalistas em registo idiota? Não foi o juiz que foi «mediático», mas sim o processo. Nesta altura do campeonato, a juiza Ana Teixeira e Silva só foi poupada porque o tempo serenou os ânimos. Em certa medida, o «mediatismo» quebrou-se. À distância, só mesmo por má-fé ou arrebatamento retórico se pode acusar Rui Teixeira de «mediatismo» - ele que, numa altura em que o processo estava no auge da estridência mediática, se pautou por uma discrição a toda a prova.

Colocaria, por fim, algumas questões a Carlos Zorrinho. Se Paulo Pedroso não tivesse sido, agora, libertado, mas absolvido apenas em julgamento (ou seja, com outro juiz), poder-se-ia dizer que a Dra. Ana Teixeira e Silva padecia da mesma «arrogância» ou «teimosia»? Se Rui Teixeira foi, de facto, como Carlos Zorrinho parece insinuar, um juiz “arrogante” e “mediático” (no sentido pejorativo), podemos então inferir que a juíza Ana Teixeira e Silva não deveria ter levado a julgamento outros arguidos? Que o processo está inquinado? Ou foi só no caso do amigo de Carlos Zorrinho? Eu não vi, nem consultei, o processo. Tê-lo-á feito Carlos Zorrinho?

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