O MacGuffin

terça-feira, maio 18, 2004

CLEARASIL HARDCORE (P/ MAIORES DE DEZOITO)
“Veio depois a adolescência – metade da minha vida desperta trancado na casa de banho, disparando os meus cartuchos para dentro da sanita, ou para cima das roupas do cesto da roupa suja, ou splat, contra o espelho do armário dos medicamentos, diante do qual me postara, arriando as calças, para ver o aspecto da coisa a jorrar cá para fora. Ou então estou curvado sobre o meu punho em movimento, olhos cerrados mas boca bem aberta, para receber na língua e nos dentes o molho viscoso de soro de leite e Clorox – embora não fosse raro, na minha cegueira e no meu êxtase, apanhar com tudo na poupa, como um jorro de Wildroot Cream Oil. E assim vivia num mundo de lenços de pano ou de papel amarrotados, de pijamas manchados, com o meu pénis vermelho e inchado, no perpétuo pavor de que a minha abjecção fosse descoberta por alguém que me apanhasse no frenesim de alijar a minha carga. Mas mesmo assim era absolutamente incapaz de manter por muito tempo as mãos longe do pirilau quando este começava a trepar-me pela barriga acima. Em plena aula levantava o braço, pedindo para sair, precipitava-me pelo corredor até à casa de banho, e com dez ou quinze carícias brutais vinha-me de pé para dentro de um urinol. Na matinée de sábado deixava os meus amigos para ir à máquina dos chocolates – e acabava num longínquo lugar do balcão, derramando a minha semente na embalagem vazia de um chocolate Mounds. Numa excursão do nosso clube familiar, descarocei certa vez uma maçã, vi para meu grande espanto (e com a ajuda da minha obsessão) com que é que a maçã se parecia e corri para o meio do bosque para me lançar sobre o orifício do fruto, imaginando que o buraco fresco e pegajoso estava na realidade entre as pernas desse ser mítico que me tratava sempre por Matulão quando pedia aquilo que nenhuma outra rapariga, desde que o mundo é mundo, alguma vez tivera. «Anda, mete-mo, Matulão», exclamava a maçã descaroçada que eu fodi nesse piquenique. «Matulão, Matulão, oh, dá-me tudo o que tens», suplicava a garrafa de leite vazia que eu escondera na nossa arrecadação da cave, para a arrebatar depois das aulas com a minha verga besuntada de vaselina. «Anda, Matulão, vem-te», guinchava o naco de fígado desvairado que na minha loucura comprei certa tarde no talho e, por incrível que pareça, violei atrás de um tapume a caminho de uma lição de bar mitzvah.
Foi no fim do meu primeiro ano de liceu – e primeiro ano de masturbação – que descobri na face inferior do meu pénis, mesmo no limite entre a haste e a cabeça, uma pequena mancha descorada que posteriormente veio a ser diagnosticada como um sinal. Cancro. Tinha arranjado um cancro. Todo aquele puxar e espremer a minha própria carne, toda aquela fricção, tinham-me provocado uma doença incurável. E ainda nem fizera catorze anos! À noite, na cama, corriam-me lágrimas dos olhos. «Não!», soluçava. «Não quero morrer! Por favor – não!» Mas depois, e já que de uma maneira ou de outra seria em breve um cadáver, voltava às lides do costume e vinha-me dentro da minha meia. Ganhara o hábito de levar comigo para a cama à noite as meias sujas para poder usar uma como receptáculo antes de adormecer, e a outra ao acordar.
Se ao menos eu conseguisse fazer aquilo só uma vez por dia, ou fixar um limite nas duas ou mesmo três vezes! Mas, com a perspectiva da morte iminente, comecei pelo contrário a atingir novos recordes. Antes das refeições. Depois das refeições. Durante as refeições. Levantando-me de um salto da mesa do jantar, agarro-me tragicamente à barriga - «diarreia!», exclamo, «estou com um ataque de diarreia!» - e uma vez atrás da porta trancada da casa de banho, enfio na cabeça umas calcinhas que roubei da cómoda da minha irmã e que trago no bolso, embrulhadas num lenço. Tão galvanizante é o efeito das calcinhas de algodão junta à minha boca – tão galvanizante é a palavra «calcinhas» - que a trajectória da minha ejaculação atinge novas e assombrosas alturas: saindo do meu pirilau com um foguete, sobe direita à lâmpada suspensa do tecto, onde, para meu espanto e horror, acerta e fica colada. Desvairado, no primeiro instante escondo a cabeça, à espera de uma explosão de vidro, de uma irrupção de chamas – a catástrofe, como vê, nunca anda muito longe do meu espírito. Depois, o mais silenciosamente que consigo, subo para cima do radiador e retiro o muco fervilhante com um pedaço de papel higiénico. Procedo a uma inspecção escrupulosa da cortina do chuveiro, da banheira, do chão, das quatro escovas de dentes – Deus nos livre! – e no preciso instante em que me preparo para abrir a porta, julgando ter feito desaparecer todas as pistas, o meu coração dá um pulo ao ver o que escorre como ranho da biqueira do meu sapato. Sou o Raskolnikov da punheta – há indícios viscosos por toda a parte! Terei também alguma coisa nos punhos da camisa? No cabelo? na orelha? Faço a mim próprio estas perguntas enquanto volto para o meu lugar à mesa da cozinha, carrancudo e irritado, e respondo ao meu pai num resmungo indignado quando ele abre a boca cheia de gelatina vermelha e me diz: «Não percebo para que é que hás-de trancar a porta. Onde é que estamos, em casa ou numa estação de comboios?» »...o direito à privacidade... um ser humano... cá em casa nunca», murmuro eu, e a seguir ponho de lado a minha sobremesa e grito: «Não me sinto bem - porque é que não me deixam em paz?».

Philip Roth, in O Complexo de Portnoy

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