O MacGuffin

quarta-feira, abril 28, 2004

A “REVOLUÇÃO”
O ensaio de Vasco Pulido Valente sobre o 25 de Abril (Diário de Notícias, 25/04/2004), é uma peça de antologia a que ninguém deve ficar indiferente. É óbvio que a esquerda detestará o texto, porque a esquerda é incapaz de suportar qualquer forma de desmistificação da revolução que possa advir de uma análise fria e distanciada (no sentido emocional) dos acontecimentos, assim como é incapaz de separar o eventual simbolismo do 25 de Abril (a ideia da «democracia» e da «liberdade», que ninguém no seu perfeito juízo negará) do que realmente aconteceu. Nem sequer se trata de criticar o 25 de Abril. O que Vasco Pulido Valente faz é colocar o 25 de Abril no devido lugar da história, chamando os «bois pelos nomes» e explicando, com total desassombro, as incoerências, contradições e limitações do pronunciamento militar.

Trinta anos depos, há gente que continua embevecida e encantada com os «capitães de Abril» e com meia-dúzia de heróis sinistros que, uma vez por ano, costumam sair da toca, ainda que de semblante carregado por acharem que o 25 de Abril “ainda está por cumprir” (o «seu» 25 de Abril estará ainda por cumprir e, felizmente, nunca se cumprirá). Não é de admirar: para além do já habitual apego à tralha ideológica e revolucionária por parte da esquerda mais radical, há anos que a história do 25 de Abril vem sendo mais ou menos romanceada, com base em generalizações («capitães de Abril»: quais e com que objectivos?), fazendo crer que a «revolução dos cravos» foi um momento lírico, mais ou menos pacífico, corolário da boa vontade e do altruísmo de forças «progressistas» e «libertadoras», constituídas por caridosas e desinteressadas almas, carregadas de boa vontade e empenhadas, desde a primeira hora, em repor a justiça, libertar o bom do povo e instituir uma democracia à imagem do modelo europeu.

O que aconteceu no 25 de Abril foi mais o produto do acaso, da complacência e da irresponsabilidade de uns (típico neste país), em contraponto com a coragem e a sagacidade de outros (Mário Soares e Sá Carneiro, por exemplo). Foram estes "outros" que contrariaram, de forma corajosa, caminhos entretanto delineados pelos intelectuais e os «ideólogos» de serviço – os tais que pululavam nas hostes do PC, do MFA e de meia dúzia de grupelhos «doutrinários», onde, supostamente, se saberia qual o caminho a seguir - pelo menos o caminho indicado na cartilha «socialista» e «progressista», a impor por decreto ou à força (via saneamentos e não só).

Eis um excerto do artigo/ensaio de Vasco Pulido Valente:

Uma revolução?
”O «25 de Abril» foi uma revolução? Não foi. O pronunciamento militar liquidou o antigo regime e dali em diante tudo o resto sucedeu com a protecção e com frequência o incitamento do MFA ou parte dele. Os «revolucionários» (do PS ou de qualquer grupúsculo) agiram sempre em liberdade e completa segurança, pessoal e colectiva. Em '74 e '75 nunca tiveram de enfrentar uma oposição séria e, quando encontraram a mais leve resistência (um fenómeno raro) o Exército resolveu o problema. A sua acção não passou em geral de um exercício de pura prepotência. Nenhum morreu, nenhum esteve na cadeia (durante o PREC, claro), nenhum perdeu o seu emprego. Não por acaso os mais fanáticos continuam a falar da «festa de Abril». Só que não há revoluções sob o alto patrocínio do poder político.

Mas, tirando isto, e não é tirar pouco, transformou a «revolução», como alguns pretendem, a sociedade portuguesa? Não transformou. Não se muda uma sociedade com ocupações seja do que for ou «saneamentos» seja de quem for. Um dos grandes mitos da Esquerda radical a ocupação (de terra ou de uma empresa) é um exercício absurdo que se derrota a si próprio (eliminando o patrão, o capital e o crédito leva fatalmente à falência e ao desemprego). Quanto aos «saneamentos», para durarem, exigem a instauração e consolidação de um novo regime e que esse regime exclua sistematicamente a elite da véspera (uma coisa impossível que nem Estaline tentou). Não admira que em cinco anos restasse vestígio de qualquer ocupação e que os «saneados» voltassem tranquilamente aos seus lugares, quando não ao governo. A agitação «revolucionária» produziu ruído e conseguiu incomodar muito gente. De importante e de permanente não trouxe nada.

Falta falar da «reforma agrária» e das nacionalizações. Se não existem, como não existiam movimentos de massa que as reclamem e defendam, cedo ou tarde, quem a título de «reforma agrária» se apropria de terra alheia, devolve a terra; e as nacionalizações são invertidas por privatizações (tanto mais que, no caso da indústria e da banca, o pessoal dirigente trabalhou para o «socialismo» como trabalhara e depressa tornaria a trabalhar para o capitalismo). Até o PC que observou que a «reforma agrária» e as nacionalizações não eram por si a revolução. De facto. Foram, isso sim, a ruína da economia portuguesa e presumo que irritaram muito, sem consequência de maior, algumas famílias. Como resultado, não se recomenda.

Ainda se diz que Portugal deve agradecer a sua presente «liberdade» aos «capitães de Abril». Não se vê por que razão. A liberdade nunca ocupou o primeiro lugar no seu «pensamento» ou na sua política. E, se hoje há um regime democrático, o responsável é Mário Soares, que precisamente o impôs contra a vontade dos militares. A verdadeira revolução foi a dele.”

PS: é curioso (para não dizer triste) comparar o Mário Soares descrito no ensaio de Vasco Pulido Valente, com o Mário Soares de agora, de braço dado com Carvalhas e com a extrema-esquerda, criticando o governo de Durão Barroso através da insinuação mendaz de que se trata de um governo de extrema-direita e exercitando o mais primário anti-americanismo. Chega a meter dó.

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