O MacGuffin

quarta-feira, março 17, 2004

PELOS VISTOS
Parece-me extraordinária a tese de que Aznar e sus muchachos se preparavam para sonegar a pista e os indícios da Al-Qaeda, durante três longos dias - durante os quais, atente-se, os espanhóis exigiriam saber “quem foi”. É, de facto, fantástico aventar a hipótese (para alguns é já uma «certeza») de que Aznar ensaiou um exercício de harakiri político. Porque estariamos em presença disso mesmo: puro suicídio político. Convenhamos que seria particularmente idiota ou débil mental o governante que se atrevesse a pensar que num Estado de Direito e numa democracia sólida se poderiam ocultar provas daquele calibre ou mentir de forma tão descarada e primária. Espanha não é propriamente uma república das bananas, Aznar não é um imberbe na cena política e a opinião pública espanhola não brinca em serviço. Se foram cometidos erros? Claro que sim. Foi, de facto, um erro insistir cegamente na tese da ETA sem deixar a porta aberta a outras hipóteses. Mas, sejamos honestos: dado o historial da ETA (repleto de mentiras, de mortes de civis inocentes, de tentativas recentes mas falhadas de orquestrar um atentado) e o facto de se estar a três dias de umas eleições que punham novamente no poder o partido que mais desmembrou o grupo terrorista basco, a hipótese Al-Qaeda era verosímil? Não era. Todos os espanhóis com quem falei eram unânimes: tinha sido a ETA. É certo que Aznar deveria ter sido mais hábil e prudente na gestão da presunção da autoria dos atentados (até porque, desde a primeira hora, o governo pediu informações aos serviços secretos israelitas, americanos e ingleses, alargando, dessa forma, o leque de suspeitos). Mas é, insisto, compreensível a insistência na ETA, tanto mais que todos os espanhóis exigiam explicações e um culpado. Ainda assim, Aznar errou. Ponto assente. Agora, do erro à mentira premeditada, com requintes de malvadez (como a esquerda continua a insinuar) vai uma enorme distância que só a má fé tende a desvalorizar. Nuno Rogeiro foi, aliás, implacável na forma como desmontou a tese da «mentira» e da ocultação de provas. Apelidou-a, até, de «garotice», lembrando que em toda a investigação estiveram envolvidas pessoas, instituições e altos cargos da nação que não eram propriamente a «voz do dono», nem sequer permeáveis a pressões. De resto, parece-me da mais elementar justiça esperar pelas explicações de Aznar e do seu governo. Explicações essas que foram sendo dadas ao longo das horas que precederam o acto eleitoral mas que uma comunicação social tendenciosa desvalorizou, preferindo dar voz e imagem às manifestações «espontâneas» contra Aznar e a favor da «paz», e aos comunicados do PSOE.

Quanto à interpretação dos resultados eleitorais, há quem coloque nos píncaros a ideia de que os espanhóis mudaram a sua intenção de voto porque o PP e o seu governo mentiram ou apostaram no cavalo errado. Paulo Gorjão acha que sim, ironizando: “pelos vistos, a decisão dos eleitores espanhóis foi manipulada por tudo menos pela insistência excessiva do Governo de Aznar na tese de que o atentado tinha sido executado pela ETA...”. Não creio que o eleitorado espanhol tivesse mudado por o governo ter sido injusto para com a ETA. Não creio que o móbil dessa mudança encontre justificações fortes na consciência de uma eventual «mentira» (embora também). Repito: as razões encontram-se, sobretudo, no medo e nos receios legítimos da população face à ameaça terrorista e nos resultados da demagogia de quem tentou culpar Aznar dos atentados e vender a tese da cabala em torno da ocultação de provas.

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