O MacGuffin

quarta-feira, março 24, 2004

APÓS MOTIM SEGUIDO DE SUÍCIDIO
Recebo, do meu amigo maradona (o link não está a funcionar), a seguinte missiva:

“Peço desculpa pela intromissão. O meu blogue suicidou-se e estava em pulgas por ofender o senhor Carlos Queiroz. Sei que abuso da boa vontade, mas, porra, quem é que aguenta?”

Não abusas nada. E sim, quem é que aguenta? Aqui vai o texto. Na íntegra.
(nota: o homem está mesmo zangado, pelo que desculpem alguns excessos de linguagem…)

O Carlos Queiroz é um Boi
por maradona
“As pessoas não gostam de desporto. Uma absurda maioria de dirigentes desportivos, de desportistas, de técnicos, de jornalistas desportivos, da corja fedenta a que chamamos habitualmente ‘adeptos do desporto’, não sabe viver fora do mundo mesquinho e aviltante da vitória e da derrota, do perder e do ganhar.

Porque não percebem nem retiram do espectáculo desportivo nada mais que a mesma miserável contabilidade invejosa com que estão habituados a bolinar pela própria vida – o carro do vizinho, o gabinete do colega, a tiragem do livro do rival, o Porto, o blogue daquele gajo com as sobrancelhas coladas -, limitam-se a absorver, a julgar, a pensar e a comentar apenas - e só - a estatística; não a arte, a excelência ou o eventual génio de um praticante.

Estou habituadíssimo a ver humilhado o meu amor pelo desporto, muito em particular o meu fanatismo pelo futebol. Recalco até ao máximo humanamente possível a escandalosa e brutal leviandade com que todos os dias vejo tratado pela comunicação social qualquer caralho de jogo. Mas não consigo que me parem os dedos quando a traição vem de alguém que dirige tecnicamente a actual equipa do Real Madrid.

Esse auroque que dá pelo nome de Carlos Queiroz decidiu vir dizer que a política de contratações do Real Madrid “não é a mais adequada” e que, por isso, terá que ser “reajustada”. Filho de um comboio de putas! Deus me cegue se não tiro a carta de pesados e lhe passo uma roda pelos miolos. O que vale é que o Valdano já o colocou no lugar dele, ou seja, a cargo do sistema de co-incineração lá do sitio.

Parece não estar contente com o que tem: o segundo melhor guarda redes do mundo, o melhor defesa esquerdo do mundo, o melhor médio centro do mundo de sempre (que é o actual - e no futuro longínquo - melhor jogador do mundo e um dos três melhores de sempre da história do futebol), o melhor tiro/passe de pé direito do mundo, o melhor avançado do mundo e quarto melhor jogador de todos os tempos, o melhor jogador espanhol, o melhor central espanhol, o melhor defesa direito espanhol, o melhor jogador português e ex-melhor do mundo. Aliás, há seis ou sete anos que o melhor jogador do mundo pela FIFA é um jogador do Real Madrid.

[Esqueçamos os campeonatos e taças de Espanha (em número de três), as Ligas dos Campeões (em número de duas), as super-taças (em número de duas), as super taças europeias (em número de uma), as Taças Intercontinentais (em número de uma), tudo em monte perfazendo 9 títulos nos últimos quatro anos, sendo que o resto são quase finais. Sim, enterremos esta ninharia toda.]

Mesmo esquecendo os parêntesis rectos, o conjunto restante parece não ser suficiente para o senhor Carlos Queirós estar contente e pensar que reúne as condições para fazer um bom trabalho. E como não é suficiente para o senhor Carlos Queirós estar satisfeito, decorre que a política de contratações tem que ser alterada, presumivelmente para que nunca mais se volte a juntar tanto bom jogador na mesma equipa.

A quantidade de alarvidades que todos os dias se diz sobre o plantel do Real Madrid e sobre a forma como foi construído não tem paralelo. No essencial, não me aborrecem. A burrice raramente me chateia, tendo há muito perdido a esperança de ver apreciado e valorizado - independentemente da aleatoriedade de um resultado - a arte de um gesto humano excepcionalmente bem feito ou a beleza atingida por um colectivo de foras-de-série.

Mas quando quem fala é alguém que pode influenciar decisivamente o bonito caminho que o Jorge Valdano vem trilhando com aquele clube, um caminho que obedece à mais maravilhosa filosofia desportiva alguma vez REALmente posta em prática, então talvez seja a hora de estrepitar aqui do cantinho, depois do cherne grelhado com azeite de Moura (pior que o do ano anterior, diria eu).

O mais ridículo de tudo, o que revela a mais atroz estupidez de uma mente, naquilo que se pode considerar o maior afloramento além fronteiras da tacanhez portuguesa, é que eles têm tido resultados desportivos, como (escusadamente, aliás) demonstrei atrás.

Mas mesmo que não tivessem, oiçam bem, mesmo que não tivessem tido o melhor conjunto de resultados desportivos desde o Milão de Sacchi e Capelo, caralhos me fodam, será que não valeria a pena ficar em terceiro na Liga Espanhola, não passar dos quartos-de-final da Liga dos Campeões, ser eliminado pelo Badajoz da Taça do Rei, mas ter na frente uma bola a circular de um Zidane para um Raul, de um Raul para trás para um Roberto Carlos, deste para o Beckham, do Beckham, num passe de 190 metros com 6 ângulos de 90 graus, para o Ronaldo, e depois, em maravilhoso culminar, assistir a uma correria do gordo com oito pessoas magras em pânico atrás dele? Vão apanhar no cu!

Será que não é evidente o suficiente que nunca se trocou a bola assim antes? Que nunca se jogou do meio-campo para a frente com tanta excelência? Que aquilo é arte pura? Que para ver metade dos gestos técnicos perfeitos que acontecem em meia parte de um mau jogo do Real Madrid é necessário condensar uma jornada inteira de qualquer campeonato europeu (ou toda a história do futebol português, no nosso caso?).

Não! Pelos vistos isto não é suficiente. Perante o mínimo insucesso (Deus me salve de assistir às reacções de um eventual insucesso total), aproveitam todos para arrotar um de pelo menos dois peidos:

1) ou dizem que a equipa não tem um banco à altura - valha-me um Deus qualquer!....!... gostaria muito que me explicassem, e o artiodáctilo do Carlos Queirós em particular, como é que se arranja um banco que esteja à altura de um Zidane ou de um Ronaldo... é preciso lembrar que se o Real Madrid tivesse todos os jogadores do mundo no banco, e uma vez que em campo jogasse o Zidane e o Ronaldo, esse banco seria sempre “desequilibrado”?
2) ou apelidam a defesa de “buraco” – socorro, preciso de ajuda..!.....!... será que não percebem que não existe defesa no mundo que não seja um buraco se a mesma for constituída apenas por cinco elementos? Não vêm que para desfrutarmos na frente de tanto génio junto temos que abdicar de qualquer coisa cá atrás, que no mundo não existe um conjunto infinito de opções, como diz o Kissinger? Querem pôr o Ronaldo a marcar em cima, é, palhaços? Ou talvez, não sei, deixar o Ronaldo no banco e contratar o Gatuso para fazer marcações serradas.

Minhas grandessíssimas mulas: do que é que se lembram com mais saudades: do Brasil ofensivo e criativo de 82, ou da grande traição de 94? Qual deles é que ganhou, e qual deles é que ficou pelos quartos?

Mas mais importante que isso, mais importante porque falamos do desenho de uma política desportiva alternativa - que não seja cobarde como as são todas hoje em dia - , não será evidente para todos que o Real Madrid se sujeitou voluntariamente, para beneficio de todos nós - e risco exclusivo próprio -, a uma política de equilibrista de arame, na qual se substituiu a habitual rede pára-quedas por um caldeirão de azeite a ferver (queriam defesas, não era?), que se resume no seguinte: tendo dez milhões de contos para gastar por ano, então gaste-se os 10 milhões de contos por ano num único, mas grande, muito grande, jogador.

Existirá idealismo ou utopia mais bonitos que estes, um idealismo e uma utopia cujas (eventuais) consequências negativas só afectarão quem os pratica, mas cujos (certos) benefícios se dispersarão pela terra inteira, como um raio de luz numa manhã de orvalho....

Esta estratégia assenta numa premissa la paliciana, mas da qual se retira um corolário corajoso, genial e inaudito: se é verdade que o futebol é um jogo de resultado incerto, então mais vale arriscar a derrota, jogando bem e atractivamente, do que a vitória, jogando mal e sem génio.

Todas as outras equipas mundiais são geridas sobrepondo a estatística probabilística à estética: como quem defende melhor que ataca tem mais hipóteses de ganhar do que quem ataca bem mas defende mal, opta-se por construir planteis, como é vulgo dizer-se, de “trás para a frente”. O mal que isso fez e faz ao futebol está em exibição todas as semanas em Itália, na Alemanha, em Portugal (excepção feita ao Porto), um pouco por todo o lado; mesmo em Espanha, no futebol mais aberto de todos, mais de metade das equipas pensa assim (como o esforçadinho Valência).

Meus amigos: no desejo de vitória deste Real Madrid (ou, no máximo, do Arsenal), não está só o meu fanatismo clubístico (aliás, bastante variável: quando o Figo jogava à bola era fanático do Barcelona), está também o desejo de que se propague pelo mundo uma determinada filosofia do futebol, aquela que mais hipóteses tem de fazer proliferar os Zidanes sobre os Gatusos, os Ronaldos sobre os Makeleles, os Pedro Barbosas sobre os Tingas.

Não perceberão vocês, minhas cavalgaduras, que está na vossa (nossa) mão transformar aquele caldeirão de azeite a ferver em palmas ao seu heroísmo, para o caso de queda desamparada? Que só assim, proporcionando-lhes uma boa cama para continuarem a fazer aquilo que manifestamente ninguém faz melhor, é que esta experiência poderá ter seguidores?

E reparem: esta cama é tanto mais importante agora quanto se verifica que o Real Madrid tem no seu comando técnico uma junta de bois decidida a ajeitar o caldeirão de azeite a ver se não a equipa o não falha na queda.

O senhor Carlos Queiroz, certamente coadjuvado por essa estrela do firmamento (a começar pelo nome) que é o José Peseiro, já nos informaram a quem devemos atribuir as culpas em caso de falhanço. Não há sorte ou ao azar de um jogo, não a uma época menos conseguida (que também as há), não ao facto de que o jogo da época de cada equipa que joga contra o Real Madrid é esse jogo contra o Real Madrid, não ao facto de Arsenal e Milão terem também grandes equipas, não à sua eventual menos feliz direcção técnica; não, não e não:

A culpada é, já sabemos, a “política de contratações”, responsável, entre outras desvantagens competitivas, por ter reunido na mesma equipa a maior quantidade de jogadores extra do mundo. Olhem: se a seguir ao velho paralítico de cadeiras de rodas tiver que ir outro...”

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