O MacGuffin

segunda-feira, dezembro 22, 2003

JOSÉ MANUEL: ONDE QUER QUE EU ASSINE?
Durão no Casamento de Luanda
Por JOSÉ MANUEL FERNANDES
in Público, Segunda-feira, 22 de Dezembro de 2003
"Ela estava linda. Levava um vestido justo com cauda em seda selvagem, com um corpo de Ypres e mantilha de renda feita especialmente na Bélgica". Ela chama-se Tchizé, tem 25 anos e é filha de José Eduardo dos Santos. A descrição é de Augustus, um costureiro português que só para a boda da filha do Presidente angolano vendeu 50 vestidos.
Mas a descrição não está completa. Tchizé, informava ontem o "24 Horas" levava na cabeça, "claro está, uma coroa ornamentada com os cobiçados diamantes angolanos". Diamantes que não faltaram na festa. Como não faltaram lagostas, champanhe francês e carne argentina numa mesa servida pelo Ritz de Lisboa. E como também não faltou tudo o que os muitos dólares da elite angolana pode comprar, tudo o que não tem pudor de gastar numa celebração que durou três dias e envolveu 600 convidados. Convidados endinheirados pois ofereceram, em leilão, 30 mil euros pela liga da noiva e onze mil pelo laço do noivo.
A festa terminou na ilha de Mossulo e depois os noivos partiram para as ilhas Maurícias, em lua-de-mel. Lá, bem longe da imensa miséria de Luanda, dos seus bairros de lata a perder de vista, das suas infraestruturas podres, dos seus mercados onde se esmola a comida de cada dia. Lá, ainda mais longe de um território dizimado por anos e anos de guerra, onde se morre de fome, onde se é estropiado por minas, onde se vive sem esperança e sem alegria.
Tudo pago, naturalmente, por José Eduardo dos Santos. O Presidente. O homem que preside a um regime cleptócrata que pilha as imensas riquezas do país e as distribuiu pela numenklatura e pelos apaniguados. Pelos que estavam na festa. Pelos que importam carros de luxo, têm os filhos a estudar na Europa e não dispensam Rolex de ouro ou as criações de Augustus, mesmo quando estas custam mais de 1800 euros.
Espectáculo tão triste e vergonhoso foi ainda pautado pela hipocrisia - a noiva foi discretamente baptizada antes de casar, pois quando nasceu o pai ainda tinha o discurso do afro-estalinismo - e pela agressiva presença da segurança. Já não com medo da Unita, por certo, mas dos deserdados de Luanda.
Entre os convidados estava, para vergonha de todos nós, o primeiro-ministro Durão Barroso. Convidado como "amigo", porque o casamento não era de Estado. E que aceitou ir a Luanda nessa condição: "amigo" de um dos responsáveis pela desgraça de Angola, um homem com demasiado sangue nas mãos e demasiado dinheiro nos bolsos.
Nenhum interesse do Estado português, nenhum interesse português em Angola, público ou privado, justifica a viagem de Durão Barroso. E mesmo que esses interesses existissem e a viagem os promovessem, há actos de vassalagem que não se praticam - actos de vassalagem como ser convidado para uma festa de luxo e espanto num país que mendiga a ajuda internacional e não paga as suas dividas, designadamente a Portugal.
A viagem oficial de Durão Barroso a Angola já tinha decorrido num tom de cordialidade inaceitável quando se lida com gente da jaez de José Eduardo dos Santos. Esta sua viagem privada foi pior, porque implicou cumplicidade com o espavento de uma festa escandalosa.
Para além de que, mesmo privada, a ida de um primeiro-ministro ao casamento da filha de um Presidente, é sempre um gesto político. Neste caso, um triste e lamentável gesto político."

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