O MacGuffin

sexta-feira, novembro 21, 2003

MIGUEL PORTAS E O TERRORISMO
Já sabem a minha opinião sobre Manuel Monteiro, por isso é escusado repeti-la sob pena de ainda sugerirem que tenho para com este senhor uma embirração primária (facto, aliás, totalmente fundamentado). Tenho, contudo, a agradecer ao Dr. Monteiro a forma como ontem, na SIC-N, num frente-a-frente com Miguel Portas, proporcionou a este a oportunidade de escancarar a céu aberto a iniquidade e a fragilidade das suas próprias teses sobre o terrorismo. Tudo se passou num ápice: no «calor» da discussão, o Dr. Monteiro coloca a mãe de todas as questões: “Mas ó Miguel, então qual é a solução para o terrorismo?” E foi a partir daí que Portas, Miguel, puxou da cartilha esquerdista e dos chavões da seita, que só os mais ineptos e a sempre ignorante ralé teimam em não perceber. E a solução é, mais ou menos, esta: para fora do Iraque, e em força; para fora do Afeganistão, e em força; criação, a posteriori, de uma Constituição Mundial; e, last but not least, um cuidado extremo em não humilhar e ofender o povo árabe e os muçulmanos em geral.
A cartilha está gasta, mas vale a pena relembrá-la. Para Miguel Portas e para a generalidade da esquerda hard, o Sr. Bin Laden e a sua al Qaeda representam a voz dos excluídos, dos humilhados, dos «danados da fome». As causas do terrorismo da al Qaeda são claras: há décadas (séculos?) que o Ocidente colocou a nação islâmica a pão e água, sugando-lhe, ao mesmo tempo, os seus mais preciosos recursos (nomeadamente o pitróleo). A par disto, o Ocidente, e mais concretamente a nação Imperial, tem vindo a infligir duros golpes na auto-estima dos árabes e dos muçulmanos espalhados pelo mundo, razão mais do que suficiente para explicar o fundamentalismo islâmico. Desde o Sec. XIII, com os Mongóis, passando pelos ingleses e franceses do Sec. XIX e Sec. XX, e acabando com a mais recente aquisição no rol de bodes expiatórios (os EUA, argumento que assentou que nem uma luva, face ao recrudescimento do anti-americanismo), desde há muito que os incompetentes, despóticos e, nalguns casos, ultra-religiosos líderes do mundo islâmico sentem as costas quentes, a Ocidente, face a esta cantilena. Miguel Portas, que gosta muito de introduzir nas questões uma «componente» histórica, só olha a História na perspectiva que lhe interessa. Se observasse a História com «profundidade» (palavra que lhes é tão querida), talvez pudesse retirar outras conclusões. Por exemplo, teria percebido que o problema do terrorismo islâmico-fundamentalista é a face mais horrenda de um problema que vem de muito longe: o atraso endémico do médio oriente por manifesta e gritante inadaptação face à evolução dos povos e do mundo. Os mongóis, os franceses, os ingleses ou os americanos não foram a causa mas sim a consequência de uma fraqueza presente em boa parte dos países muçulmanos (árabes e não só), no que respeita à organização das suas sociedades e dos seus sistemas políticos e económicos, a que não será alheia a mão pesada de uma doutrina religiosa que se tem misturado fatalmente com o poder (político, económico, etc.).
Mas a História já foi outra. No período entre o declínio da antiguidade e a aurora da modernidade – a que comummente se designa de Idade Média – foi clara a superioridade islâmica. O Islão constituía a maior potência militar e económica, tendo alcançado um desenvolvimento ímpar na área das artes e das ciências. No pico da sua superioridade, havia apenas uma outra civilização comparável em qualidade e diversidade: a Chinesa. Só a partir do Sec. XV passou a ser clara a superioridade económica, cientifica e militar do que hoje denominamos de Ocidente.
A partir de então, as tentativas de modernização do mundo islâmico foram sempre acompanhadas por um sentimento de desconfiança e de revolta contra modos de vida que poderiam pôr em causa – era esse o receio - o seu hermetismo cultural e religioso. A atitude muçulmana face à expansão do Ocidente foi diferente da atitude doutras civilizações. Para outras, tudo o que viesse do Ocidente era novo e desconhecido, logo avaliado segundo o seu mérito. Para os muçulmanos, a Cristandade não era nova nem desconhecida. A cristandade e o judaísmo haviam sido os precursores do Islão na medida em que tinha sido o Islão quem soubera ultrapassar a «corrupção» e a «displicência» que toldavam “a” verdade noutras paragens. “A” verdade tinha sido incorporado no Islão. O que não tinha sido incorporado no Islão era falso. Por cada modernizador e por cada tentativa de abrir o Islão ao mundo, erguiam-se mil vozes contrárias contra a ímpia influência dos «infiéis». Por exemplo, em pleno Sec. XVIII, os embaixadores muçulmanos em Berlim e Viena, Paris e Londres, descreviam, com estranheza, o facto de haver uma administração burocrática eficiente, baseada na nomeação e promoção de pessoas com base no mérito e na qualificação, e não por favor ou proteccionismo. A barreira entre uma civilização e outra foi de tal ordem que a Renascença, a Reforma e a revolução cientifica passaram ao lado do desatento Islão. Só mais tarde, após a Revolução Francesa, se abriram algumas janelas de oportunidade e se tomou consciência de que a mudança de atitude, radical em muitas áreas, era necessária. Mas esta mudança foi lenta, difícil, repleta de reveses e retrocessos e, em boa verdade, ainda hoje está por cumprir. Esta mudança significava um gesto de humildade e de consciência demasiado doloroso para a consciência colectiva muçulmana: o reconhecimento de que os «bárbaros» e os «infiéis» estavam, afinal, à frente. Por exemplo, aceitar ser ensinado e instruído por técnicos e professores «infiéis» era impensável para as cúpulas muçulmanas.
Bin Laden pode ser a face de tudo, mas não é, certamente, a face da revolta dos milhões de muçulmanos que vivem, ainda hoje, num obscurantismo que lembra o pior da Idade Média (sim porque a Idade Média teve coisas muito positivas). É sabido que, no seio das populações, quando estão reunidas as condições para falar sem receios, ou seja, livremente, existe mais simpatia pelo Ocidente e pelo grande Satã do que alguma vez Miguel Portas poderia imaginar. Miguel Portas continua a achar que a culpa é dos outros, ou seja, dos que para lá foram. Como ele próprio dizia ontem, parafraseando Sérgio Vieira de Mello, “eu também me revoltaria se visse tanques estrangeiros a avançar sobre Copacabana.” Acontece que Miguel Portas inverte a ordem dos factos. Os tanques avançaram no Afeganistão e no Iraque depois do 11 de Setembro. Assim como avançaram no Iraque quando Saddam tentou anexar o Koweit. O que é que Miguel Portas esperava: que o mundo permanecesse quieto para não «humilhar» um regime despótico?
É altura de perceber que o Ocidente (latu sensu) não anda em cruzada por terras muçulmanas. Não anda a humilhar ninguém. O Ocidente não tem nenhuma contenda com o Islão. É a Ocidente que existe tolerância, multi-culturalismo e liberdade de culto. Miguel Portas deveria saber que os grandes (não os únicos, mas os grandes) culpados pelo infortúnio dos povos do médio oriente (só para falar nestes) continuarão a monte. Continuarão a actuar num limbo de impunidade inadmissível, servido pela intelligentsia Ocidental. É a Arafat e à sua falta de visão de Estado e de oportunidade; são aos mullahs e aos ayatollas; são aos dirigentes políticos do médio-oriente mentalmente mais empedernidos e tirânicos; são a esses que se deveriam assacar responsabilidades. São estes os que adoram incendiar as populações contra terceiros; são estes que não defendem as suas populações com certos contratos estabelecidos com países ou grupos económicos a ocidente; são estes que sugam a riqueza do seu país para sustentar a sua pesada oligarquia; são estes que anestesiam a consciência crítica do seu povo face às suas responsabilidades e às suas politicas, através da criação de papões ocidentais. Em suma, são estes os inimigos dos povos que putativamente se sentem excluídos, menosprezados e a viver em péssimas condições materiais e humanas. Não é o Ocidente ou o grande Satã.
Bin Laden não é só um terrorista. É, também, burro. E é burro porque anda a perpetrar ataques contra os únicos que podem ajudar os países muçulmanos a dar a volta por cima, assim haja, no seio dos países muçulmanos do médio oriente, quem ouse ultrapassar a fase da pergunta “quem nos fez isto?”, para passar à fase “o que devemos fazer para sair daqui?”. Infelizmente, a Ocidente, os Migueis Portas de serviço hão-de continuar a contar a história da carochinha. Uma história que, a espaços, terá alguma fundamentação, mas que, no computo geral, não interessa a ninguém. E não interessa a ninguém porque, desde logo, é uma história em que não se separam os regimes das populações, ou o Sr. bin Laden dos muçulmanos anónimos (como se àquele tivesse sido passada uma procuração colectiva). Seria bom que, a Oriente, uma nova linhagem de dirigentes e homens de decisão deixasse de ouvir o Sr. Bin Laden, o Sr. Portas ou o Sr. Chomsky. Uma nova linhagem que tentasse perceber o que é isso do “Growth-Through Integration” e olhasse o Sr. Bush e o Sr. Blair como aliados e não como inimigos.

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