O MacGuffin

segunda-feira, novembro 24, 2003

ENTRETANTO…
Rui Tavares, no Barnabé, comenta o meu comentário a um ‘post’ seu sobre o anti-americanismo e o anti-semitismo. E diz:
”Ora numa matéria como o anti-semitismo, as acusações não podem ficar por meias palavras, McGuffin: são precisos nomes, textos, citações. Os "evidentementes", os "sobretudos", os "óbvios ululantes" aqui não valem pevide. Não me estou a lembrar de um único texto que à esquerda tenha feito eco desses estereótipos nauseabundos que descreve, e estou seguro de que a vastíssima maioria de textos da esquerda contra Sharon andam bem longe dos autores que você vai buscar a... 1895. Pessoalmente acho Ariel Sharon um indivíduo sinistro e criminoso: e daí? Portanto, das duas uma: ou documenta aquilo que diz, ou explica melhor (mas muito muito melhor) o que queria dizer. Porque assim não.
Não é a primeira vez que observo esta engenhosa tentativa de branquear o óbvio (repito: ululante). Há coisas que se sabem, que se sentem, que se cheiram, sem que, para isso, tenhamos de encetar um trabalho de pesquisa e de inquérito mais ou menos formal e elaborado. Rui Tavares percebe perfeitamente o que estou a dizer porque também ele «generaliza», com base na sua sensibilidade e na sua percepção. Parece-me, até, um pouco desonesta a forma como, agora, se esconde no pretexto das provas materiais, exigindo-as como se, à falta delas, nada pudesse ser validado. Adeus “senso comum”: já deste o que tinhas para dar.
Em primeiro lugar, Rui Tavares insiste num erro de palmatória: julgar que os putativos escrevinhadores situados à esquerda (ou à direita) são a voz da Esquerda (ou da Direita) - no tom e no teor. Não são e Rui Tavares deveria sabê-lo. Deveria saber, também, que, muitas vezes, a generalidade dos opinion-makers de uma certa tendência ideológica não reflectem a vox populi dessa mesma tendência. E vice-versa. Veja-se o caso do conflito no Iraque: a esquerda (lá estou eu a generalizar...) insistiu em não perceber que a corrente, o mainstream, era contra a guerra (as sondagens apontavam para números perto dos 80%) e que os MacGuffin’s, os Coutinhos ou os Lombas representavam a contra-corrente (na altura recebi dezenas de missivas contestando o nome do meu blogue porque eu estava, supostamente, a favor da corrente dos media, como se a corrente dos media fosse "a" corrente).
Quando eu cometi o pecado da generalização, ao escrever “Quem hoje disfarça o seu anti-semitismo - considerando-se, somente, «anti-sionista», ou explicando que a sua crítica é, apenas, dirigida a Sharon - é, sobretudo, a esquerda “, sabia muito bem do que estava a falar. Estava a referir-me às pessoas de esquerda, em geral, não aos opinion-makers, em particular (embora também). Estava a lembrar-me dos meus amigos de esquerda, dos amigos dos meus amigos de esquerda, da vox populi. Estava a lembrar-me de debates a que assisti no auditório da Universidade de Évora (cidade onde nasci e teimo em viver), ou de tertúlias semi-publicas. Ainda este fim-de-semana assisti a uma surpreendente discussão em torno do conflito israelo-palestiniano, que começou com o habitual e razoável “nada tenho contra os israelitas mas sim contra Sharon” para, passados alguns minutos, descambar num role infindável de tiradas de mau gosto, piadinhas nojentas (“Hitler só falhou porque os fornos eram pequenos”), reveladoras de muito má fé contra os judeus (“por alguma razão eles têm sido perseguidos ao longo dos séculos…”). E sim: era malta da esquerda. Mas isso não significa que toda a esquerda seja anti-semita ou que, à direita, não haja laivos de anti-semitismo. Mas, caramba: qualquer pessoa com os ouvidos e olhos apurados percebe que o anti-semitismo (o amador e o profissional) vem, hoje em dia, sobretudo da esquerda. Isto pode não valer uma pevide para Rui Tavares, mas é mais do que evidente. Se Rui Tavares deixar de ser rhetorical-addicted reconhecerá que, na ânsia da sua cruzada pró-palestiniana, são sobretudo os esquerdistas (perdoar-me-á, novamente, a generalização) que enveredam por posições que lembram livros antigos.
Compreendo as preocupações de Rui Tavares com as nem sempre justas generalizações. Como dizem os políticos, quando se referem às sondagens, as generalizações “valem o que valem”. Eu próprio detesto ser arrolado em estereótipos ou arrumado em compartimentos estanques. Rui Tavares é uma pessoa de esquerda e não é anti-semita. Ainda bem. Os amigos e próximos de Rui Tavares podem não ser anti-semitas. Muito bem. Os articulistas de referência de Rui Tavares podem ser tipos intelectualmente honestos e meticulosos quando separam o governo de Sharon dos israelitas. Fair enough. Agora, pergunto eu: e daí?

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