O MacGuffin

quinta-feira, julho 31, 2003

O ACONTECE ACABOU. SO WHAT, PARTE 2
Anda meio mundo de cabeça perdida com o fim do Acontece. Os indignados do costume manifestam-se, pedindo a cabeça do ministro. Meu Deus: o Acontece acabou!
Palavra de honra: nunca percebi o que tinha de especial o Acontece ao ponto de suscitar tantas declarações de amor. Assim como achava ridículo o bestial facto, que tanta gente aludia, de ser considerado “o único magazine televisivo cultural europeu transmitido numa base diária”.
Entendamo-nos. A mediocridade e o provincianismo escorriam à vista desarmada no cenário meio-piroso daquele estúdio, onde um apresentador cabotino ensaiava, regularmente, umas conversas com uns amigalhaços ou destacava, de forma paternal, certas obras que, em condições normais, não mereceriam o mais leve comentário. O nível de compadrio roçava a obscenidade. Alturas houve em que o programa chegava a ser penoso, tal era o grau de declarada intimidade e de vassalagem para com certas capelinhas e figuras do milieu cultural – português e não só. Lembro-me de uma entrevista perfeitamente hilariante ao cretino do Depardieu, onde se falou de tudo menos de cinema ou dramaturgia – como se Depardieu fosse uma sumidade em matéria de discurso político.
O Acontece foi sempre um programa fraco. Fraquíssimo. No campo da divulgação literária, bastava compará-lo com o programa do Francisco José Viegas para perceber o abismo. O Acontece foi um programa sem rasgos de génio, amorfo, irritantemente amador e previsível. Um programa que servia os amigos e conhecidos e esquecia os outros. Ou seja, um programa em que o critério de divulgação e de informação nunca foi claro e transparente. Um programa sempre disposto a anuir perante as demonstrações de corporativismo de certas instituições ou grupos. Sim, houve momentos interessantes, alturas em que o programa foi mágico, consequência directa da qualidade dos convidados. Mas quantas vezes isso aconteceu?
Dir-me-ão: era o único programa de divulgação cultural. Eis o paradigma da nossa endémica mediocridade: "é jeitoso, deixá-lo estar"; "podia ser melhor, mas cumpre a função"; "é bonzinho, há que mantê-lo"; "deixa estar, podia ser pior".
O Acontece acabou? So what? Que venha o próximo. E que seja bem melhor. Não será, certamente, difícil.

PS: a ser verdade, a única coisa a lamentar será a forma pouco cordial, abrupta e fria como os responsáveis do programa e o seu apresentador tomaram conhecimento da notícia da sua extinção. Mas até aí importava conhecer a versão dos factos pela direcção de programas da RTP.

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