O MacGuffin

segunda-feira, junho 16, 2003

OAKESHOTT E O RELATIVISMO MORAL

Do leitor Gonçalo Pina recebo a seguinte questão:

”A defesa dos ways of life de Oakeshott é uma forma de relativismo moral? É uma curiosidade minha. Não se sinta obrigado a responder. Responda apenas se for entendido na matéria e não tiver que perder muito tempo com isto.”

Caro Gonçalo: não me sinto obrigado a responder, não sou grande entendido na matéria (sofro de diletantismo agudo) e não vou perder muito tempo. Por isso, cá vai: NÃO!

A filosofia política de Oakeshott não é moralmente relativista. Não significa isto que Oakeshott fosse um absolutista. Oakeshott rejeitaria, certamente, a base racionalista e dogmática do absolutismo. Entre: a) a crença de que a diversidade de valores é apenas aparente – existindo um standard universal e objectivo a que se pode recorrer na avaliação qualitativa dos mais diversos valores; e b) a crença de que todos os valores são diversos e relativos – existindo muitas formas de os classificar e hierarquizar – Oakeshott e, em boa medida, o conservadorismo, coloca-se numa posição intermédia entre os dois extremos: o pluralismo. De acordo com o pluralismo, o tal padrão objectivo e universal existe, apenas aplicado a certos valores. Existe um mínimo de valores essenciais, irredutíveis, sem os quais será difícil alcançar uma vida digna e feliz. E isso aplica-se, certamente, ao nível das questões morais. Para o pluralista, este standard/padrão aplica-se ao campo das necessidades morais (onde prevalece o absolutismo), deixando em aberto o campo das possibilidades morais (onde prevalece o relativismo).

Para que não hajam dúvidas entre as diferenças entre o pluralista e o relativista, relembro uma passagem de “My Intellectual Path”, de Isaiah Berlin (bastante esclarecedora, como é habitual em Berlin):

”I came to the conclusion that there is a plurality of ideals, as there is a plurality of cultures and of temperaments. I am not a relativist; I do not say ‘I like my coffee with milk and you like it without; I am in favour of kindness and you prefer concentration camps’ – each of us with his own values, which cannot be overcome or integrated. This I believe to be false. But I do believe that there is a plurality of values which men can and do seek, and that these values differ. There is not an infinity of them: the number of human values, of values which I can pursue while maintaining my human semblance, my human character, is finite – let us say 74, of perhaps 122, or 26, but finite, whatever it may be. And the difference this makes is that if a man pursues one of these values, I, who do not, am able to understand why he pursues it or what it would be like, in his circumstances, for me to be induced to pursue it. Hence the possibility of human understanding.
I think these values are objective – that is to say, their nature, the pursuit of them, is part of what it is to be a human being, and this is an objective given. The fact that men are men and women are women and not dogs or cats or tables or chairs is an objective fact; and part of these objective fact is that there are certain values, and only those values, which men, while remaining men, can pursue. If I am a man or a woman with sufficient imagination (and this I do need), I can enter a value-system which is not my own, but which is nevertheless something I can conceive of men pursuing while remaining human, while remaining creatures with whom I can communicate, with whom I have some common values – for all human beings beings must have some common values or they cease to be human, and also some different values else they cease to differ, as in fact they do.
That is why pluralism is not relativism – the multiple values are objective, part of the essence of humanity rather than arbitrary creations of men’s subjective fancies.”


Este texto seria, certamente, do agrado de Oakeshott.

Pensar que Oakeshott fez a apologia do discurso moralmente relativista - em que os meus valores são meus, os teus são teus, e se colidirmos, azar, nenhum de nós pode dizer que tem razão – não lembra a ninguém. Nem a filosofia de Oakeshott é, sequer, uma filosofia de valores. Daí que não entenda a pergunta do Gonçalo Pina.

“Politics is the pursuit of intimations”, disse um dia Oakeshott. Na sua obra Rationalism in Politics escreveu, também:

“[a tradition of behaviour] is neither fixed nor finished; it has no changeless centre to which understanding can anchor itself; there is no sovereign purpose to be perceived or invariable direction to be detected; there is no model to be copied, idea to be realized, or rule to be followed. Some parts of it may change more slowly than others, but none is immune from change. Everything is temporary.”

Se o Gonçalo Pina quiser, por exemplo, pegar nesta aparente falta de ‘objectivismo’ e fazer dela uma forma de ‘relativismo’, extensível às questões de ordem moral, está no seu direito. Mas está errado. Porque os critérios que orientam uma tradição de comportamento são a coerência e o principio de continuidade:

“Though a tradition of behaviour is flimsy and elusive, it is not without identity, and what it makes it a possible object of knowledge is the fact that all its parts do not change at the same time and that the changes it undergoes are potential within it. Its principle is a principle of continuity: authority is diffused between past, present and future; between the old, the new and what is to come. It is steady because, though it moves, it is never wholly in motion; and though it is tranquil, it is never wholly at rest.(…) Everything is temporary, but nothing is arbitrary. Everything figures by comparison, not with what stands next to it, but with the whole.

Ao longo da sua obra, Oakeshott soube-nos alertar para a falência eminente do modelo político baseado nas ideologias e no dogmatismo da técnica, e para a encruzilhada moral servida por um relativismo estéril e arbitrário. Sinceramente, Gonçalo Pina, não percebo o alcance da sua pergunta.

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